Memorando para: Clientes Oaktree
De: Howard Marks
Ref: Menos perdedores ou mais vencedores?
_________________________________________________________________________
Meus memorandos começaram em outubro de 1990, inspirados por uma justaposição interessante entre dois eventos. Um deles foi um jantar em Minneapolis com David VanBenschoten, head do fundo de pensão da General Mills. Dave me disse que, nos seus 14 anos no cargo, o retorno da alocação de ações do fundo nunca ficou acima do 27oopercentil do universo de fundos de pensões ou abaixo do 47o percentil. E onde é que esses retornos anuais consistentemente no segundo quartil colocaram o fundo durante o total de 14 anos? No quarto percentil! Fiquei impressionado. Ocorre que a maioria dos investidores que almejam um desempenho no decil superior acaba dando um tiro no próprio pé, mas Dave nunca fez isso.
Mais ou menos na mesma época, uma proeminente empresa de value investing reportou resultados terríveis, fazendo com que o seu presidente emitisse uma racionalização simples: “Se você deseja estar entre os 5% melhores gestores de recursos, precisa estar disposto a estar entre os 5% piores também”. Minha reação foi imediata: “Meus clientes não se importam se estou entre os 5% melhores em um único ano, e eles (e eu) não temos absolutamente nenhum interesse em que eu esteja entre os 5% piores”.
Estes dois eventos tiveram uma forte influência sobre mim e ajudaram a definir a minha filosofia de investimento – e o que cinco anos mais tarde se tornou a filosofia de investimento da Oaktree – que enfatiza acima de tudo o controle de risco e a consistência. Veja como eu coloquei isso há 33 anos naquele primeiro memorando, intitulado O caminho para a performance:
Tenho a firme convicção de que é pouco provável que a tentativa de atingir um desempenho superior a longo prazo por meio de vários anos no decil superior seja bem-sucedida. Em vez disso, esforçar-se para se sair um pouco melhor do que a média todos os anos – e através da disciplina para obter resultados relativos altamente superiores em períodos difíceis – tem:
-
-
- menos probabilidade de gerar volatilidade extrema,
- menos probabilidade de gerar perdas enormes que não possam ser recuperadas e, o mais importante,
- mais probabilidade de funcionar (considerando o fato de que todos nós somos apenas humanos).
-
Em resumo, o que o histórico [da General Mills] me diz é que, em ações, se for possível evitar perdedores (e anos de perdas), os vencedores cuidarão de si próprios. Acredito piamente que isso também se aplica aos nichos oportunísticos do meu grupo – que a melhor base para um desempenho de longo prazo acima da média é a ausência de desastres.
Como você pode ver, meu jantar com Dave foi um evento seminal; sua abordagem era claramente a correta para mim. (Aliás, gostaria de compartilhar que, após décadas sem nos falarmos, Dave estava entre as muitas pessoas gentis que me escreveram nos últimos meses para me encorajar em relação ao meu problema de saúde. Este é um excelente exemplo dos muitos dividendos pessoais que minha carreira rendeu.)
Resumindo
Esse primeiro memorando, e o trecho citado acima, incluem uma frase que você provavelmente já ouviu da Oaktree: Se evitarmos os perdedores, os vencedores cuidarão de si próprios. Meus sócios e eu consideramos essa frase tão adequada que a adotamos como lema quando a Oaktree foi formada em 1995. Nosso raciocínio era simples: Se investirmos em uma carteira diversificada de títulos e conseguirmos evitar aqueles que entram em default, alguns dos títulos adimplentes que compramos se beneficiarão de eventos positivos, como elevações de rating e aquisições. Ou seja, os vencedores surgirão sem que os tenhamos procurado explicitamente.
Achamos que essa frase era inovadora. Porém, em 2005, enquanto trabalhava com Seth Klarman para atualizar a edição de 1940 do livro de Benjamin Graham e David Dodd Security Analysis – a “bíblia do value investing” – li algo que indicava que estávamos cerca de 50 anos atrasados. Na seção que Seth me pediu para editar, deparei-me com a descrição de Graham e Dodd de investimento de “valor fixo” (ou renda fixa) como “uma arte negativa”. O que eles queriam dizer?
No início, achei a observação deles cínica, mas posteriormente percebi o que estavam dizendo. Vamos supor que existam cem títulos de 8% em circulação. Suponhamos ainda que noventa pagarão juros e o principal conforme prometido e dez entrarão em default. Como são todos títulos de 8%, todos aqueles que pagam vão gerar o mesmo retorno de 8% – não importa quais você comprou. A única coisa que importa é se você comprou algum dos dez que ficaram inadimplentes. Em outras palavras, os investidores em títulos melhoram o seu desempenho não através do que compram, mas do que excluem – não encontrando os vencedores, mas evitando os perdedores. Aí está: uma arte negativa.
Mais uma história sobre a origem da frase: Sempre me interessei por livros antigos. Há alguns anos, enquanto caminhava por um centro de convenções de Las Vegas a caminho de uma reunião com um cliente, deparei-me com uma feira de livros raros. Parei no estande de um livreiro que conheço e meus olhos imediatamente avistaram um livro que ele tinha à venda: Como negociar ações, de Jesse Livermore. Aqui está a citação que o livreiro destacou: “Os vencedores cuidam de si próprios; os perdedores nunca fazem isso”. Você pode ficar tentado a acreditar que Livermore copiou a minha ideia… até perceber que, como Graham e Dodd, ele publicou essas linhas em 1940. E eu achando que era inovador.
Na época em que adotei esse lema, meus sócios e eu éramos principalmente investidores em títulos de high yield. E uma vez que os títulos não conversíveis têm pouco potencial de valorização além do rendimento prometido até o vencimento, nossa principal tarefa era evitar os não pagadores, com a premissa de que algum subconjunto dos pagadores provavelmente nos daria exposição aos acontecimentos positivos que ocorreriam. Essa era uma maneira adequada de resumir a nossa abordagem como investidores em bonds.
No entanto, felizmente juntei-me a Bruce Karsh em 1987 e, em 1988, organizamos o nosso primeiro fundo de distressed debt. Agora estávamos investindo em títulos que haviam entrado em default ou que pareciam propensos a entrar em default. Considerávamos que poderíamos comprá-los a preços muito atraentes devido à nuvem sob a qual se encontravam, oferecendo-nos a possibilidade de valorização do capital. Desde então, Bruce tornou-se conhecido pela sua perspicácia em investimentos e, certamente, os seus retornos desde 1988 não podem ser atribuídos apenas a evitar perdas. Quando se aspira a retornos bem acima daqueles disponíveis nos bonds, não basta evitar perdedores; na verdade, você precisa encontrar (ou criar) vencedores de vez em quando. Os retornos gerados por Bruce e seu grupo mostram que eles fizeram isso.
A Oaktree atualmente tem uma série do que chamo de “estratégias aspiracionais”, o que significa que eles precisam de vencedores. Então, por que ainda utilizamos a frase acima como lema e por que “a primazia do controle de risco” ainda é o primeiro princípio da nossa filosofia de investimento? A resposta é que queremos que o conceito de controle de risco seja sempre uma prioridade para os nossos profissionais de investimento. Quando eles analisam um título, queremos que perguntem não apenas “Quanto posso ganhar se tudo correr bem?” mas também “O que acontecerá se os eventos não correrem conforme o planejado? Quanto eu poderei perder se as coisas derem errado? E até que ponto as coisas podem ficar ruins?”
O controle de risco ainda é a prioridade na Oaktree. Há mais de 60 anos, o técnico de futebol americano da UCLA, Henry Russell “Red” Sanders, disse: “Vencer não é importante, é a única coisa que importa”. (A frase também é atribuída a Vince Lombardi, o lendário técnico de futebol americano do Green Bay Packers.) Embora eu não tenha descoberto exatamente o que essa frase significa, estou firmemente convencido de que, para a Oaktree, o controle de risco não é importante; é a única coisa que importa.
Não evitar riscos
Entender a distinção entre controlar riscos e evitar riscos é verdadeiramente essencial para os investidores. Evitar riscos consiste basicamente em não fazer nada quando o resultado é incerto e pode ser negativo. No entanto, no seu cerne, investir consiste em suportar a incerteza na busca por retornos atraentes. Por esta razão, evitar riscos geralmente equivale a evitar retornos. Você pode evitar riscos comprando títulos do Tesouro americano ou colocando seu dinheiro em depósitos segurados pelo governo, mas há uma razão pela qual os retornos sobre esses títulos são geralmente os mais baixos disponíveis no mundo dos investimentos. Por que você deveria ser bem pago por renunciar ao seu dinheiro por um tempo se tem certeza de que o receberá de volta?
Por outro lado, o controle de riscos consiste em recusar assumir riscos que (a) excedam a quantidade de risco com a qual você deseja conviver e/ou (b) que você não seria bem recompensado por assumir. Já escrevi no passado sobre o que chamo de “a assunção inteligente do risco em prol do lucro”. Aqui está a história de fundo:
Comecei a administrar recursos em 1978, quando o Citi me pediu para administrar carteiras de títulos conversíveis e de high-yield. Os primeiros eram, na sua maioria, títulos sem grau de investimento emitidos por empresas que não tinham alternativa quando procuravam levantar capital, e os últimos eram, de acordo com a terminologia da época, “junk bonds” com ratings baixos. Claramente, ambos implicavam um risco de crédito significativo. Por volta de 1980, um repórter de uma das primeiras redes de notícias financeiras me fez uma pergunta provocativa: “Como você pode comprar títulos de high yield quando sabe que alguns dos emissores irão entrar em default?” Minha resposta capturou a essência da assunção inteligente de riscos: “Como as empresas de seguro de vida podem segurar a vida das pessoas quando sabem que todas vão morrer?”
A questão é simples: Ambas as funções podem ser executadas de maneira inteligente e com risco controlado. Para que isso aconteça, o risco deve ser:
- aquele do qual você está ciente,
- aquele que você pode analisar,
- aquele que você pode diversificar, e
- aquele que você é bem pago para assumir.
Riscos como esse não precisam ser evitados. Se você tiver realmente visão, esses riscos poderão ser assumidos de maneira prudente e lucrativa.
Conheço vários investidores que correm muito mais riscos do que a Oaktree e cujos anos ruins são muito piores que os nossos. Mas os poucos que têm competências legítimas – o que chamo de “alfa” (mais sobre isso mais tarde) – geram retornos enormes nos seus anos bons, de maneira que os seus retornos a longo prazo são excepcionais. Seus clientes são bem recompensados…. presumindo que eles tenham estômago suficiente para aguentar os anos ruins. Portanto, assumir riscos não é imprudente por si só, e evitar riscos é apropriado apenas para investidores que sentem que não conseguirão sobreviver a tempos difíceis.
Construindo um bom histórico
Considerando que (a) todos os investimentos, exceto os mais cautelosos, envolvem risco e (b) a presença de risco significa que os resultados serão imprevisíveis e inconsistentes, muito poucos investidores (se houver) são capazes de ter apenas bons anos ou de montar carteiras que contenham apenas vencedores. A questão não é se você terá perdedores, mas sim quantos e quão ruins serão eles em relação aos vencedores.
Warren Buffett – indiscutivelmente o investidor com o melhor histórico de longo prazo (e certamente o maior histórico de longo prazo) – é amplamente descrito como tendo tido apenas doze grandes vencedores na sua carreira. Seu sócio Charlie Munger disse-me que a grande maioria da sua riqueza não veio de doze vencedores, mas de apenas quatro. Acredito que os ingredientes do excelente desempenho de Warren e Charlie são simples: (a) muitos investimentos em que tiveram um desempenho decente, (b) um número relativamente pequeno de grandes vencedores nos quais eles investiram pesadamente e mantiveram durante décadas, e (c) relativamente poucos grandes perdedores. Ninguém deve esperar ter – ou esperar que os seus gestores tenham – todos os grandes vencedores e nenhum perdedor.
Na verdade, não ter perdedores não é um objetivo útil. A única maneira segura de conseguir isso é não correr nenhum risco. Porém, como disse anteriormente, é provável que evitar riscos resulte em evitar retornos. Existe o risco de correr muito pouco risco. A maioria das pessoas entende isso intelectualmente, mas a natureza humana torna difícil para muitas pessoas aceitarem a ideia de que a vontade de conviver com algumas perdas é um ingrediente essencial para o sucesso dos investimentos.
Após assistir a um tênis de alto nível neste verão – acabei de ver o Aberto dos Estados Unidos no fim de semana passado – vou reciclar uma analogia com o tênis que sugeri pela primeira vez no meu memorando Ouse ser grande II (abril de 2014). E se eu saísse para jogar tênis e dissesse: “Hoje não vou cometer nenhuma dupla falta”? Meus saques teriam que ser tão fracos que meu oponente provavelmente me destruiria. Os tenistas precisam correr alguns riscos se quiserem ter sucesso (vide abaixo). Se nenhum dos seus saques for para fora, você provavelmente está sacando com muita cautela para vencer. O mesmo se aplica a investir. Como diz meu parceiro de longa data, Sheldon Stone: “Se você não enfrentar nenhum default, provavelmente não está assumindo risco de crédito suficiente”.
Estatísticas dos vencedores
Olhando para trás, descobri que dediquei um memorando inteiro às analogias entre investimento e esportes uma vez por década nas décadas de 1990, 2000 e 2010. Desta vez, na minha quarta década escrevendo memorandos, dedicarei mais alguns parágrafos ao tênis.
Conforme mencionado acima, o tênis é uma comparação muito adequada com os investimentos. Jogar conservadoramente e ser massacrado? Ou arriscar lances que você não consegue acertar de maneira consistente e derrotar a si mesmo? O artigo de Charles D. Ellis “The Loser’s Game” (The Financial Analysts Journal, julho/agosto de 1975) foi verdadeiramente seminal no meu desenvolvimento como investidor. Ele ressaltou que há dois tipos de tenistas… na verdade, dois tipos diferentes de jogos de tênis. Os profissionais jogam um jogo de vencedores: Eles vencem acertando winners (no tênis, isso significa golpes que o oponente não consegue devolver). Como o jogo está sob seu controle, eles geralmente conseguem acertar os golpes que desejam, e os melhores desses golpes ganham os pontos. Mas o tênis amador é um jogo de perdedores: O vencedor geralmente é aquele que erra menos. Se você conseguir manter a bola em jogo por tempo suficiente, eventualmente seu oponente golpeará a bola para fora da quadra ou na rede. O amador não precisa acertar os winners para vencer, e isso é algo bom, pois ele geralmente é incapaz de fazer isso de maneira confiável.
Uma olhada rápida em algumas estatísticas de Wimbledon deste ano fornece muita coisa para refletirmos. Vou analisar primeiro a partida masculina das quartas de final entre Daniil Medvedev, número 3 na chave do torneio, e o tenista Christopher Eubanks, não ranqueado na chave. Eubanks, com dois metros de altura e muito atlético, surpreendeu a todos com seu avanço às quartas de final. Mas, na partida com Medvedev, ele estava jogando contra um tenista que passou anos logo atrás dos “três grandes” do tênis masculino: Novak Djokovic, Rafael Nadal e Roger Federer.
Como um grande azarão, Eubanks provavelmente reconheceu que provavelmente não ganharia de Medvedev pela resistência ou consistência. Assim, ele tinha que buscar acertar seus winners. Se esse era o plano de Eubanks, ele conseguiu executá-lo. Ele obteve 74 winners contra 52 de Medvedev e buscou agressivamente a rede 67 vezes (conseguindo 44 winners) em comparação com 8 de Medvedev (e 4 winners). Estas são excelentes estatísticas ofensivas.
O problema é que – como já vi em primeira mão diversas vezes – se você enfrenta um jogador que é melhor do que você, tem que tentar golpes que não estão completamente dentro da sua competência para ter a esperança de vencer. Dessa forma, juntamente com os seus 74 winners, Eubanks cometeu 55 erros não forçados (erros que não são forçados pelos bons golpes do adversário; a maneira mais fácil de cometer um erro não forçado é buscar um winner e errar). Em comparação, Medvedev cometeu apenas 13 erros não forçados.
Conclusão: Eubanks obteve consideravelmente mais winners do que Medvedev, mas cometeu três erros não forçados para cada quatro winners, enquanto Medvedev cometeu apenas um em cada quatro. Medvedev conquistou 53% dos pontos disputados contra 47% de Eubanks e, assim, venceu a partida. A lição é que não basta ter mais winners. Para vencer – tanto no tênis quanto nos investimentos – é preciso ter uma relação favorável entre golpes vencedores e perdedores. Você pode vencer com poucos winners, mas menos erros não forçados, ou cometendo muitos erros não forçados, mas conseguindo mais winners. Nem maximizar os winners nem minimizar os erros não forçados é necessariamente suficiente. Tudo deve estar em equilíbrio.
E isso me leva à final masculina de Wimbledon. Esta partida emocionante colocou Djokovic, que ganhou o maior número de Grand Slams da história (23 títulos combinados em Wimbledon, no Aberto dos Estados Unidos, Aberto da França e Aberto da Austrália), contra o promissor Carlos Alcaraz, de 20 anos, que tinha apenas um Grand Slam. Assim como Eubanks, Alcaraz joga um jogo vistoso e atlético e busca muitos winners. Você pode ver isso no seu serviço: Alcaraz cometeu sete duplas faltas, mais do que o dobro das três de Djokovic. Porém, mais uma vez, uma única estatística nos diz muito pouco, uma vez que as tentativas de Alcaraz de grandes saques lhe renderam nove aces (serviços que o seu adversário não consegue devolver), mais de quatro vezes os dois obtidos por Djokovic. Esta é uma indicação dos respectivos estilos dos jogadores. No final, Alcaraz venceu a partida com 66 winners, enquanto Djokovic teve apenas 32.
Dessa forma, Alcaraz venceu Djokovic com um jogo “maior” e de alto risco, enquanto Medvedev venceu Eubanks com o seu estilo mais firme e controlado pelo risco. Nenhuma abordagem é melhor que a outra por si só. O estilo por si só nunca determina o resultado; é uma questão de estilo e execução. Meu professor de tênis, Jordi Ballester, explica: “Alcaraz joga um jogo mais agressivo. Considerando que ele é muito talentoso, como mostrou em Wimbledon, se estiver em um dia bom, pode vencer Djokovic (ou qualquer outro adversário). Se estiver em dia ruim, também pode muito bem perder”.
É interessante observar que os três grandes do tênis dominaram uma era incrível. Nos 19 anos que antecederam Wimbledon 2023, eles ganharam 65 – ou 87% – dos 75 campeonatos do Grand Slam. Notavelmente, nenhum deles foi um “big hitter” nos moldes de Alcaraz. Sua capacidade de atingir um nível fabuloso por quatro ou cinco horas sem cometer muitos erros geralmente era suficiente.
A necessidade de ações vencedoras
Houve diversas ocasiões ao longo da minha carreira em que um pequeno número de ações foi responsável por uma parcela desproporcionalmente grande dos ganhos do mercado. A este respeito, muito se escreveu sobre as chamadas “sete magníficas”: Apple, Microsoft, Alphabet (dona do Google), Amazon, Nvidia, Tesla e Meta (dona do Facebook). Em vários momentos deste ano, estas sete ações foram responsáveis pela maior parte ou por todos os ganhos de vários índices de ações. Veja como o Financial Times colocou em junho:
Sete das ações com maior peso… subiram ainda mais, valorizando entre 40% e 180% este ano. As demais 493 empresas [no índice de ações Standard & Poor’s 500] estão, no seu conjunto, estáveis.
As grandes empresas tecnológicas dominam o índice em um nível sem precedentes. Apenas cinco dessas sete ações representam quase um quarto da capitalização de mercado de todo o índice. (“The seven companies driving the US stock market rally,” Financial Times, 14 de junho de 2023.)
A extensão do desempenho superior destas ações durante grande parte deste ano pode ser única, mas o fenômeno não o é. Isso também ocorreu em 2017, quando algumas ações foram em grande parte responsáveis pela subida do mercado. Foram as “FAANGs”: Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google/Alphabet. O Financial Times também destacou essa história:
Peso concentrado nas maiores, especialmente nos mercados dos EUA, não é algo novo. “As grandes ações de tecnologia no S&P estão agora na mesma situação que as empresas petrolíferas estavam no passado, ou as Nifty 50 na década de 1960”, afirma Frédéric Leroux, head da equipe cross-asset da Carmignac em Paris – um aceno para o fenômeno que fez as ações de um pequeno número de empresas de rápido crescimento subirem, como IBM, Kodak e Xerox, antes de uma forte queda ocorrer. “É um problema, mas problema recorrente”. (Ibid.)
Desde que a maioria de nós se lembra, os investidores ativos têm tido dificuldade em acompanhar os retornos dos índices de ações. Por esta razão, nas últimas décadas, o investimento passivo ocupou uma parte substancial do capital investido. A deficiência do investimento ativo foi atribuída principalmente à combinação de eficiência do mercado, taxas de gestão e erros dos investidores. Acho que há outro motivo: investidores ativos precisam de vencedores.
E se você não tivesse as sete magníficas no início deste ano? Claramente, estaria muito atrás dos índices. E se você tivesse essas ações, mas em proporções menores do que suas ponderações nos índices? Você ainda ficaria para trás, mas por um valor menor. Assim, por definição, acompanhar os índices exige uma exposição às grandes ações vencedoras que seja pelo menos igual à sua representação nos índices. Isso parece claro.
Agora, pense sobre essa representação. Digamos que você começou há 20 anos – no verão de 2003 – com uma posição na mesma proporção do índice de Apple a um preço ajustado de US$ 0,37. A pergunta chave é simples: Você teria aguentado manter a ação enquanto ela subia?
Como descrevi no meu memorando Vendendo (Janeiro de 2022), a maioria dos investidores obedece a sabedoria convencional de “realizar lucros” ou “tirar algum dinheiro da mesa”. Afinal, como diz o velho ditado: “Ninguém nunca faliu realizando lucros”. Os investidores muitas vezes vendem algumas de suas ações vencedoras pela simples razão de que têm medo de ver elas devolverem seus ganhos, o que pode levar ao arrependimento, críticas dos clientes e/ou perda de investidores.
A maioria das pessoas teria vendido parte ou toda a sua participação na Apple quando o preço chegasse a US$ 15, no verão de 2013. O que você teria feito quando a ação atingiu 40 vezes o seu custo original após 10 anos?
Hoje, mais 10 anos mais tarde, a ação da Apple custa cerca de US$ 180 1 – ela aumentou 12x desde 2013 e quase 500x desde 2003. A questão é que, face a estes ganhos, muito poucos investidores ainda manteriam tudo o que compraram originalmente. Mas se eles venderam ações da Apple quando os construtores do índice não fizeram isso, provavelmente não conseguiram acompanhar o índice. A situação pode ser resumida da seguinte maneira:
- O desempenho dos índices de ações é frequentemente dominado por algumas ações ou grupos de ações.
- Os ganhos dos líderes podem fazê-los parecer caros, defendendo a realização de lucros.
- A natureza humana – especialmente o desejo de evitar arrependimentos – contribui para a motivação de vender.
- Por definição, se você reduzir a participação dos vencedores em relação à sua representação nos índices e esses vencedores continuarem apresentando desempenho superior, você terá dificuldade em acompanhar esses índices.
No meu memorando Liquidez (Março de 2015), incluí uma visão do meu filho Andrew. Parafraseando, ele disse: “Se você olhar para o gráfico de uma ação que está em alta há 25 anos e disser: ‘Cara, eu gostaria de ter essa ação’, pense sobre todos os dias em que você teria que se convencer em não a vender”. Duvido que muitas pessoas tenham visto a Apple passar de US$ 0,37 para US$ 180 sem vender nada. Quantos investidores ativos permitiriam que as ações da Apple constituíssem quase 8% das suas carteiras, que era o seu peso no S&P 500 no pico recente? Mas – para simplificar – se venderam as ações da Apple, ficaram para trás.
O resultado é que os vencedores não são totalmente dispensáveis. Se você espera pelo menos acompanhar os índices, provavelmente precisará ter uma representação média nesses índices. (Isso não é totalmente inevitável. Você também pode atingir esse objetivo mantendo menos perdedores.)
O papel da assunção de riscos
Vou concluir este memorando usando meu gráfico favorito. Quando fiz minha pós-graduação na Universidade de Chicago há 55 (!) anos, fui ensinado a ver a relação entre risco e retorno da seguinte forma:
Mas quanto mais pensava nisso, mais infeliz ficava com a forma como a apresentação linear da suposta relação diz aos investidores que eles podem contar com a obtenção de retornos mais elevados como resultado de assumirem mais riscos. Afinal, se esse fosse realmente o caso, os investimentos arriscados não seriam mais arriscados. Assim, no meu memorando Risco (Janeiro de 2006), sugeri uma maneira diferente de representar a relação, sobrepondo na linha uma série de distribuições de probabilidade em forma de sino viradas de lado:
Em vez de implicar que assumir mais riscos – movendo-se da esquerda para a direita no gráfico – garante maiores retornos, esta nova forma de olhar para a relação sugere que conforme assumimos mais riscos, (a) o retorno esperado aumenta, conforme a versão original acima; (b) a gama de resultados possíveis torna-se mais ampla; e (c) as más possibilidades tornam-se piores. Em outras palavras, investimentos mais arriscados introduzem o potencial para retornos mais elevados, mas também a possibilidade de outros efeitos secundários menos desejáveis. É por isso que eles são descritos como mais arriscados. Desde que escrevi esse memorando, concluí que esta maneira de pensar sobre as coisas tem muitas aplicações. Aqui estão algumas:
Também existem aplicações para esta forma de ver as coisas fora do mundo dos investimentos. Por exemplo:
E isso me traz de volta ao assunto deste memorando:
Como os gráficos acima indicam, uma abordagem de alto risco introduz o potencial de enormes retornos… bem como a possibilidade de perda.
Então, qual é o lugar certo para estar nesse espectro? Onde podemos encontrar as melhores barganhas em termos de risco/retorno? A resposta sucinta é que, de acordo com a teoria de investimentos – particularmente a Hipótese do Mercado Eficiente (HME) – não há lugares melhores (ou piores) para se estar. A HME afirma que os mercados avaliam os títulos de maneira que (a) o seu preço seja igual ao seu valor intrínseco e (b) o risco incremental seja recompensado de forma justa. Assim, barganhas e preços excessivos não podem existir. É por isso que, segundo a teoria, “não se pode vencer o mercado”.
A teoria também sugere que se um mercado estiver em “equilíbrio”, cada alteração no retorno potencial é justa em relação à mudança no risco assumido, de maneira que todas as posições na curva sejam equivalentes em atratividade. Mova-se para a esquerda e você evitará algum risco, mas seu retorno potencial cai. Mova-se para a direita e seu retorno potencial aumentará, mas seu risco também aumentará. Nenhuma posição no espectro é superior a qualquer outra. É como jogar uma moeda para cima (que a HME sugere que o investimento ativo é): Nem cara nem coroa é a aposta mais inteligente.
E como isso funciona na prática?
Uma das minhas frases favoritas é atribuída a Albert Einstein e Yogi Berra, entre outros: “Na teoria, não há diferença entre a teoria e a prática, mas na prática, há.” Se os mercados forem eficientes e os ativos forem sempre precificados corretamente, não poderá haver valor no investimento ativo. A verdade é que muitos gestores de ativos, especialmente em ações de mercados desenvolvidos, não conseguiram demonstrar a capacidade de agregar valor, ou de agregar valor suficiente para justificar as suas taxas de administração. Este é, em grande parte, o motivo pelo qual os fundos de índice foram criados e por que uma quantidade significativa de capital migrou para investimentos indexados e passivos nas últimas décadas.
Ainda assim, acredito firmemente que há momentos em que os mercados estão sobrevalorizados e momentos em que estão subvalorizados. Também há momentos em que determinados mercados ou setores estão sobrevalorizados ou subvalorizados em relação a outros. Nestes casos, alguns ativos podem ter preços altos ou baixos demais e, portanto, algumas posições na curva de risco podem oferecer barganhas melhores do que outras.
A teoria assume que os investidores são racionais e objetivos, mas os excessos psicológicos violam essa premissa. Vamos considerar, por exemplo, o ambiente de investimento durante a crise financeira global. Como descrevi no meu memorando de julho Medindo a temperatura , no final de 2008, os investidores estavam tão preocupados com um colapso do setor financeiro que entraram em pânico e venderam ativos agressivamente conforme seus preços desabavam. A aversão excessiva ao risco faz com que a linha risco/retorno se incline (aumentando o retorno por cada unidade incremental de risco assumido) e talvez até se curve para cima (tornando a compensação por fazer investimentos na parte de maior risco do espectro desproporcionalmente generosa). Dessa maneira, em períodos de aversão excessiva ao risco, a parte mais arriscada da curva pode ser o local mais inteligente para se estar (e em períodos em que a assunção de riscos é adotada com muita avidez, a parte mais segura pode oferecer uma proposta superior).
O último elemento que gostaria de abordar é o que chamo de “alfa”, ou a habilidade pessoal em investimentos. A razão pela qual a HME desdenha os esforços para vencer o mercado é a sua convicção de que, uma vez que os títulos são sempre precificados corretamente, não pode existir a capacidade de identificar barganhas para comprar e preços excessivos a evitar. A afirmação da teoria de que não existe algo como o domínio dos mercados implica que ninguém tem a habilidade de montar carteiras com desempenho superior. É por isso que represento as. curvas em forma de sino acima como simétricas: Em um mercado eficiente, os investidores só podem receber o que o mercado lhes dá.
Mas estou convencido de que existe potencial para melhorar isso por meio da habilidade em alguns mercados e em algumas pessoas. Os investidores que possuem alfa têm a capacidade de alterar a forma das distribuições nos gráficos acima para que não sejam simétricas, na medida em que a parte da distribuição que representa os resultados menos desejáveis é menor do que a parte que representa os melhores resultados. Na verdade, é isso que alfa realmente significa: Os investidores com alfa podem entrar em um mercado e, aplicando suas habilidades, acessar o potencial de valorização oferecido nesse mercado sem assumir todos os riscos negativos. No meu memorando O que realmente importa? (novembro de 2022), disse que a principal característica do investimento superior é a assimetria – ter mais upside do que downside. O alfa permite que investidores excepcionais modifiquem as distribuições de probabilidade de maneira que tendam para o positivo, resultando em retornos ajustados ao risco superiores.
Se alfa é a capacidade de obter retorno sem assumir riscos totalmente proporcionais, os investidores que têm alfa podem fazer isso reduzindo o risco e abrindo mão de menos retorno ou aumentando o retorno potencial com um aumento de risco menos que proporcional. Em outras palavras, a competência pode permitir que alguns investidores tenham um desempenho superior, enfatizando a agressividade, e outros, enfatizando a defensividade. A escolha entre estas abordagens depende do tipo de alfa que um investidor possui: É a capacidade de gerar retornos excepcionais com risco tolerável ou a capacidade de gerar bons retornos com risco mínimo? Quase nenhum investidor tem as duas formas de alfa, e a maioria não tem nenhuma delas. Os investidores que não têm alfa não devem esperar ser capazes de gerar qualquer versão de assimetria – isto é, serem capazes de gerar retornos superiores ajustados ao risco. No entanto, a maioria acredita que tem.
A escolha adequada entre as duas abordagens – menos perdedores ou mais vencedores – depende da habilidade, aspiração de retorno e tolerância ao risco de cada investidor. Assim como acontece com muitas das coisas que discuto, não há uma resposta certa aqui. Apenas uma escolha.
12 de setembro de 2023
NOTAS FINAIS
- 1Isso reflete o preço em 8 de setembro de 2023.
© 2023 Oaktree Capital Management, L.P.
Informações e divulgações legais
Este artigo expressa as opiniões do autor na data indicada, e tais opiniões estão sujeitas a alterações sem aviso prévio. A Oaktree não tem qualquer dever ou obrigação de atualizar as informações nele contidas.
A Oaktree também não faz qualquer representação, e não deve haver suposição de que desempenhos de investimentos anteriores são indicativos de resultados futuros. Ainda, onde quer que haja potencial de lucro, haverá a possibilidade de perda.
Este artigo foi disponibilizado apenas para fins instrucionais e não deve ser usado para outros propósitos. As informações nele contidas não constituem nem devem ser interpretadas como oferta de serviços de consultoria ou oferta de venda ou solicitação de compra de quaisquer valores mobiliários ou instrumentos financeiros relacionados em qualquer jurisdição. Determinadas informações referentes a desempenho e tendências econômicas são baseadas ou derivadas de informações fornecidas por fontes independentes de terceiros.
A Oaktree Capital Management, L.P. (“Oaktree”) acredita que as fontes das quais tais informações foram obtidas são confiáveis, mas não pode garantir a exatidão de tais informações e não verificou de maneira independente a exatidão ou integridade de tais informações nem das suposições que servem de base para tais informações.
Este artigo e as informações nele contidas não podem ser copiados, reproduzidos, republicados ou publicados, no todo ou em parte, de qualquer forma, sem o consentimento prévio por escrito da Oaktree.