Comecei a escrever esses memorandos em 1990 e continuei fazendo isso por dez anos, apesar de nunca ter recebido uma única resposta. Então, no primeiro dia útil de 2000, publiquei o bubble.com, um memorando com alertas sobre os excessos no setor tecnológico que se revelou muito oportuno. A inspiração para esse memorando veio de um livro que li no outono anterior: Devil Take the Hindmost: A History of Financial Speculation, de Edward Chancellor, um relato dos excessos especulativos começando com a Bolha dos Mares do Sul no início do século XVIII. A descrição do livro sobre o comportamento em torno da mania da South Sea Company combinava com o que eu estava vendo na bolha de tecnologia/mídia/telecomunicações que estava em andamento. Recebi um excelente feedback dos clientes sobre o memorando – um incentivo que motivou os vários memorandos que se seguiram.
Considero uma grande coincidência que, 24 anos mais tarde, eu tenha dedicado outro outono à leitura de outro livro de Chancellor, The Price of Time: The Real Story of Interest, sua história das taxas de juros e do comportamento dos banco centrais. Agradeço a Zach Kessler, um leitor regular de memorandos, por enviá-lo. A relevância do livro The Price of Time para as tendências que venho no último ano motiva este memorando.
Em dezembro de 2022, publiquei Mudança radical, um memorando que discutia principalmente o período de 13 anos desde o final de 2008, quando o Federal Reserve dos EUA cortou a taxa dos fed funds para zero para combater os efeitos da Crise Financeira Global até o final de 2021, quando o Fed abandonou a ideia de que a inflação era transitória e preparou o que se revelou uma rápida sucessão de aumentos das taxas de juros. O memorando concentrou-se no impacto que esse longo período de taxas de juros excepcionalmente baixas teve na economia, nos mercados financeiros e nos resultados dos investimentos. Após esse memorando, publiquei Outras reflexões sobre a mudança radical, que a Oaktree lançou aos clientes em maio de 2023 e ao público em outubro. Neste último memorando e nas conversas subsequentes com os clientes, enfatizei o impacto significativo das baixas taxas de juros no comportamento dos participantes na economia e nos mercados.
Tempos fáceis
No memorando Mudança radical, comparei o efeito das baixas taxas de juros ao da esteira rolante do aeroporto. Se você andar sobre ela, avançará mais rápido do que faria se andasse sobre o chão firme. No entanto, você não deve atribuir esse ritmo acelerado ao seu condicionamento físico e ignorar a contribuição da esteira rolante.
Da mesma forma, as taxas de juros decrescentes e baixíssimas tiveram uma enorme influência, mas subestimada, no período em questão. Elas tornaram:
- fácil gerenciar um negócio, com a economia estimulada, crescendo inabalavelmente durante mais de uma década;
- fácil para os investidores desfrutarem da valorização dos ativos;
- fácil e barato alavancar investimentos;
- fácil e barato para as empresas obterem financiamento; e
- fácil evitar a inadimplência e a falência.
Em resumo, estes foram tempos fáceis, alimentados pelo dinheiro fácil. Assim como os viajantes nas esteiras rolantes, era fácil para os empresários e investidores pensarem que estavam fazendo um excelente trabalho por si próprios. Particularmente, os participantes do mercado receberam muita ajuda nesse período, conforme aproveitavam o bull market de mais de 10 anos, o mais longo da história dos EUA. Muitos desconsideraram os benefícios decorrentes das baixas taxas de juros. Porém, como diz um dos ditados mais antigos sobre investimentos, nunca devemos confundir cérebros com um bull market.
À medida que continuei refletindo e falando sobre a mudança nas taxas de juros decrescentes e/ou ultrabaixas para taxas de juros mais normais e estáveis, enfatizei o fato de que as taxas baixas alteram o comportamento dos investidores, distorcendo-o de maneiras que têm consequências graves.
Pensar na mudança nas taxas de juros me sensibilizou para as menções da mídia sobre taxas baixas, e tenho observado muitas. Isso foi particularmente verdadeiro após o colapso do Silicon Valley Bank em março passado, que muitos artigos atribuíram às más decisões de gestão tomadas “durante o período anterior de dinheiro fácil”. Recentemente tem havido muita discussão sobre as perspectivas menos favoráveis para private equity, geralmente relacionadas com expectativas de que as taxas de juros não retornarão aos níveis baixos do passado recente.
Os efeitos de taxas de juros baixas são multifacetados e onipresentes, mas frequentemente ignorados. Eu me tornei mais consciente deles enquanto lia o livro The Price of Time, e gostaria de listá-los aqui:
1. Taxas de juros baixas estimulam a economia
Todos sabem que quando os bancos centrais querem estimular as economias dos seus países, cortam as taxas de juros. Taxas mais baixas reduzem custos para as empresas e colocam dinheiro nas mãos dos consumidores. Por exemplo, uma vez que a maioria das pessoas compra carros a crédito ou os arrenda, as taxas de juros mais baixas tornam os veículos mais acessíveis, aumentando a demanda. O resultado é normalmente bom para os fabricantes de automóveis, seus fornecedores e seus trabalhadores e, portanto, para a economia em geral.
É importante perceber que o dinheiro fácil mantém a economia em alta, pelo menos temporariamente. Porém, taxas de juros baixas podem fazer com que a economia cresça rápido demais, provocando uma inflação mais alta e aumentando a probabilidade de as taxas precisarem ser aumentadas para combatê-la, desencorajando a continuidade da atividade econômica. Esta oscilação das taxas de juros entre extremos pode ter efeitos e encorajar comportamentos que as taxas naturais/neutras (consulte a página 13) teriam menos probabilidades de induzir.
2. Taxas de juros baixas reduzem o custo de oportunidade percebido
O custo de oportunidade é uma consideração importante na maioria das decisões financeiras. No entanto, em ambientes com taxas de juros baixas, a taxa de retorno do caixa é mínima. Dessa forma, você não renuncia muita renda ao sacar seu dinheiro do banco para comprar uma casa ou um barco (ou para fazer um investimento), o que faz com que isso pareça indolor. Por exemplo, se alguém está pensando em sacar US$ 1 milhão da poupança para uma compra em um momento em que a poupança está pagando juros de 5%, é provável ele que entenda que isso lhe custará US$ 50.000 por ano em renda perdida. Porém, quando a taxa é zero, não há custo de oportunidade. Isso torna a ocorrência da transação mais provável.
3. Taxas de juros baixas aumentam os preços dos ativos
Na teoria financeira, o valor de um ativo é definido como o valor presente descontado de seus fluxos de caixa futuros. Descontamos os fluxos de caixa futuros ao calcular o valor presente porque devemos esperar para recebê-los e, portanto, eles são menos valiosos do que os fluxos de caixa recebidos hoje. Quanto menor for a taxa à qual os fluxos de caixa futuros são descontados, maior será o valor presente, como os investidores vêm observando há séculos:
No século [XVIII], Adam Smith descreveu como o preço da terra dependia da taxa de juros do mercado. Em A riqueza das nações (publicado em 1776), Smith observou que os preços dos terrenos aumentaram nas últimas décadas, conforme as taxas de juros diminuíam. (The Price of Time, ou “TPOT”)
Ao aplicar descontos muito baixos aos resultados futuros das empresas, os investidores [na década de 1920] acabavam pagando demais. (TPOT)
Na vida real, os investimentos são avaliados principalmente em uma base relativa. O retorno exigido em cada investimento é em grande parte uma função dos retornos potenciais de outros investimentos e das diferenças nos respectivos níveis de risco desses investimentos. As taxas de juro baixas diminuem a “barra relativa”, fazendo com que os retornos mais altos oferecidos pelos ativos mais arriscados pareçam relativamente atraentes, mesmo que sejam baixos em termos absolutos.
Nesse sentido, o livro The Price of Time descreve o processo conceitual que tornou os empréstimos “duvidosos” ao governo da Argentina aceitáveis no ambiente de taxas baixas do final da década de 1880:
Buenos Aires “aproveitou a taxa de juros baixa e a abundância de dinheiro na Europa para contrair o máximo possível de empréstimos, com novos empréstimos muitas vezes sendo obtidos para pagar os juros dos empréstimos anteriores”. Alguns empréstimos argentinos pagavam apenas 5% de juros – um valor baixo em termos absolutos ou em relação ao seu risco, mas ainda alguns pontos acima do mísero rendimento dos [consols, ou da dívida perpétua do governo britânico]… (TPOT, ênfase adicionada)
Quando os rendimentos dos títulos diminuem, os títulos representam menos concorrência contra ativos mais arriscados. Dessa forma, os baixos rendimentos dos títulos levam a retornos exigidos mais baixos – e a precificações mais altas – em outras classes de ativos, tais como ações, imóveis e private equity. Por estes motivos, as taxas de juros baixas provocam a inflação de ativos e, algumas vezes, a bolhas de ativos, como as que vimos no final de 2020 e ao longo de 2021.
4. Taxas de juros baixas incentivam a assunção de riscos, levando a investimentos potencialmente imprudentes
As taxas de juros baixas criam um “mundo de baixo retorno” marcado por retornos potenciais insignificantes em investimentos seguros. Ao mesmo tempo, os retornos exigidos ou desejados dos investidores normalmente não diminuem (ou diminuem muito menos), o que significa que os investidores enfrentam um déficit. Os rendimentos ultrabaixos dos ativos seguros fazem com que alguns investidores assumam riscos adicionais para ter acesso a retornos mais altos. Dessa forma, estes investidores tornam-se aquilo que o meu falecido sogro chamava de “voluntários algemados” – eles avançam na curva de risco não porque querem, mas porque acreditam que essa é a única maneira de alcançar os retornos que procuram.
Dessa forma, o capital migra de ativos seguros e de baixo retorno para oportunidades mais arriscadas, resultando em uma forte demanda por essas oportunidades e no aumento dos preços dos ativos. Os investimentos mais arriscados têm um bom desempenho durante algum tempo nessas condições, incentivando ainda mais a assunção de riscos e a especulação:
No seu livro de 1844 On the Regulation of Currencies [o banqueiro John Fullarton] observou que, em períodos de juros baixos, “tudo na natureza do valor assume um aspecto de magnitude inchada”, e cada artigo torna-se objeto de especulação. Longos períodos de dinheiro fácil, escreveu Fullarton, geram “um espírito selvagem de especulação e aventura”. Fullarton observou que a euforia financeira ocorreu após um período de queda nas taxas de juros: “Desde o ano da Bolha [ou seja, a Bolha dos Mares do Sul de 1720] em diante, questiono muito se um exemplo de qualquer movimento especulativo grande ou simultâneo por parte dos capitalistas poderia ser mostrado que não tenha sido precedido por uma queda acentuada na taxa de juros atual”. (TPOT)
A taxa livre de risco é o ponto de origem, ou ponto de partida, para os retornos e prêmios de risco. Quando um banco central reduz a taxa livre de risco:
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- o resto da curva de juros geralmente acompanha essa tendência;
- a linha do mercado de capitais que rege os retornos das classes de ativos também se desloca para baixo, especialmente se o desejo por retornos mais altos em um ambiente de baixo retorno fizer com que investimentos mais arriscados sejam perseguidos agressivamente, conforme descrito acima;
- além de se mover para baixo, a linha do mercado de capitais também pode se achatar, reduzindo os prêmios de risco, caso os investidores prestarem pouca atenção ao risco fundamentalista/de crédito; e
- o prêmio de liquidez – o aumento no retorno esperado pela posse de ativos ilíquidos em vez de ativos prontamente comercializáveis – também pode diminuir, conforme os investidores que buscam retornos partem para investimentos ilíquidos.
De todas essas maneiras, os incrementos de retorno associados a ativos de prazos mais longos, mais arriscados ou menos líquidos, podem tornar-se inadequados para compensar totalmente o aumento do risco. No entanto, os baixos retornos potenciais de títulos seguros fazem com que os investidores ignorem estes fatores e baixem os seus padrões, incentivando a especulação e fazendo com que investimentos questionáveis sejam feitos na busca de retornos maiores:
Para [o economista da escola austríaca Friedrich] Hayek, era algo axiomático, mas muitas vezes esquecido, que “toda a atividade econômica é realizada ao longo do tempo”. Quando as taxas de juro caem, disse ele, as empresas tendem a investir em projetos com retornos mais distantes – na terminologia de Hayek, a “estrutura de produção” aumenta. Se as taxas de juro forem mantidas abaixo do seu nível natural [consulte a página 13], investimentos equivocados ocorrem: gasta-se muito tempo na produção ou, dito de outra maneira, o retorno sobre o investimento não justifica o desembolso inicial. O “malinvestiment”, ou mau investimento, para usar um termo popularizado pelos economistas austríacos, assume muitas formas e tamanhos. Ele pode envolver algum projeto dispendioso tipo elefante branco, como a construção de um túnel submarino, ou um esquema tecnológico fantástico sem nenhuma perspectiva séria de algum dia obter lucro. (TPOT, ênfase adicionada; a citação é de 1928)
Vou dar alguns exemplos de investimentos imprudentes feitos durante o período recente de dinheiro fácil:
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- No ambiente de baixos retornos de 2017, a Argentina voltou a ser o exemplo de oportunidades de investimento questionáveis, quando emitiram títulos de 100 anos. Conforme perguntei na época no meu memorando Lá vão eles de novo… Novamente (Julho de 2017), “Será que a Argentina, um país que entrou em default cinco vezes nos últimos 100 anos (e uma vez nos últimos cinco), terá alguma probabilidade de passar os próximos 100 sem uma repetição desse cenário?” A história conturbada da Argentina como devedora foi ignorada no ambiente de baixos retornos, e os títulos tiveram uma grande procura graças ao seu rendimento de 7,85%, em um momento em que os títulos do Tesouro de 30 anos ofereciam apenas 2,77%. Demorou menos de um ano para a Argentina solicitar um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional e menos de três anos para deixar de pagar os títulos.Quando os títulos de 100 anos foram reestruturados em 2020, os detentores receberam novos títulos com um valor de recuperação esperado de cerca de 54,5 cents por dólar, de acordo com o The Wall Street Journal de 31 de agosto de 2020. Apropriadamente, esse mesmo artigo do Journal citou Piotr Matys do Rabobank Group NV, dizendo: “Os rendimentos dos títulos do Tesouro estão tão baixos que estão forçando os investidores a correrem riscos. É por isso que as pessoas estão comprando coisas malucas”.
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- Na década de 2010, os investidores adquiriram avidamente empréstimos de leveraged buyout (LBO) com rendimentos historicamente baixos, de cerca de 6%. Os compradores incluíam CLOs, que são estruturados para oferecer rendimentos relativamente altos aos investidores nas suas tranches com classificação mais baixa, bem como os gestores de private credit que alavancaram os retornos potenciais para cerca de 9%.
- Embora as empresas “zumbis” que queimam dinheiro não tenham sido historicamente consideradas seguras para a concessão de empréstimos, muitas conseguiram contrair empréstimos facilmente em períodos pró-risco até 2021. No entanto, conforme as condições financeiras tornaram-se mais restritivas, estas empresas viram o seu custo de contrair empréstimos aumentar e/ou os valores que podiam obter diminuir.
- O desejo por bons retornos em um período de baixos retornos pode possibilitar fraudes. A Theranos (empresa de tecnologia médica) e a FTX (a bolsa de criptomoedas) foram os exemplos mais proeminentes nos últimos anos. É menos provável que esses escândalos ocorram em períodos mais rigorosos da econômica e dos mercados de capitais, quando os investidores estão menos ansiosos e mais cuidadosos.
Em condições de dinheiro fácil, os títulos de longo prazo podem parecer particularmente desejáveis; como a curva de juros geralmente inclina-se para cima, eles normalmente oferecem rendimentos mais elevados. No entanto, devemos observar que os títulos longos são mais sensíveis às taxas do que os curtos, o que significa que os seus preços oscilam mais em resposta a uma determinada mudança nas taxas de juros. Consequentemente, os rendimentos mais altos dos títulos longos mais voláteis podem atrair capital em períodos de taxas baixas, precisamente quando as probabilidades normalmente favorecem um aumento subsequente nas taxas (e, portanto, uma queda rápida nos preços dos títulos longos).
Parece-me que há muitas vezes há um movimento semelhante de capital em direção a “ações longas” quando as taxas de juro estão baixas. Com isso quero dizer as ações de empresas que se acredita que terão muitos anos de crescimento rápido pela frente. Para essas empresas, a maior parte dos fluxos de caixa projetados situa-se, por definição, em um futuro distante. No entanto, os investidores podem se sentir mais atraídos por essas ações quando as taxas estão baixas, pois desejam os retornos mais altos que um crescimento tão rápido traria e há menos custos de oportunidade associados à longa espera pelos fluxos de caixa relevantes. (Isso soa como os “projetos com retornos mais distantes” de Hayek. Consulte a citação na página anterior.) Assim como os preços dos títulos mais longos flutuam mais em resposta a uma determinada mudança nas taxas de juros, as chamadas “growth stocks” geralmente sobem mais do que outras em períodos de dinheiro fácil e caem mais quando o dinheiro seca. O primeiro foi certamente o caso no final de 2020 e em 2021… e o último em 2022.
Adoro a palavra “malinvestment” de Hayek, por causa da validade da ideia por trás dela: em períodos de baixos retornos, investimentos que não deveriam ser feitos são realizados; constroem-se edifícios que não deveriam ser construídos; e assume-se riscos que não deveriam ser assumidos. As pessoas com dinheiro sentem que devem colocá-lo para trabalhar, uma vez que o dinheiro rende pouco ou nada. Elas abandonam sua aversão ao risco e, conforme discutido abaixo, competem vigorosamente por oportunidades de emprestar ou investir por maiores retornos potenciais. O processo de investimento envolve flexibilidade e agressividade, em vez de diligência minuciosa, padrões elevados e aversão ao risco adequada.
As perspectivas ruins de retorno sobre ativos seguros levam a uma maior assunção de riscos – algumas vezes incentivada pelo otimismo generalizado e/ou pela suspensão da descrença – e, portanto, à aprovação de investimentos que provavelmente seriam recebidos com ceticismo em períodos normais. Muitos dos ativos de risco em que as pessoas investem por suposta necessidade são considerados menos palatáveis e menos valiosos em condições de mercado mais difíceis, quando só podem ser vendidos a preços mais baixos.
5. Taxas baixas possibilitam que negócios sejam financiados de maneira rápida e barata
No que tange ao anteriormente exposto, as taxas baixas tornam as pessoas mais dispostas a emprestar para negócios arriscados. Os provedores de capital concorrem para ser aquele que fecha o negócio. Para concorrer pelos negócios, o “vencedor” deve estar disposto a aceitar retornos baixos de projetos possivelmente questionáveis e segurança reduzida, incluindo uma documentação mais fraca. Por esta razão, costuma-se dizer que “os piores empréstimos são concedidos nos melhores momentos”.
A disponibilidade de capital flutua radicalmente. Enquanto em períodos de maior rigor o capital pode não estar disponível mesmo para devedores de qualidade para fins válidos, em períodos de dinheiro fácil o capital fica normalmente disponível para devedores mais fracos, em grandes valores, para praticamente todos os fins. Coisas que não poderiam ser financiadas em períodos mais difíceis são consideradas aceitáveis.
Por exemplo, consideremos a mudança de percepção das empresas de alta tecnologia. Antes de aproximadamente 2005, elas eram geralmente consideradas pouco confiáveis demais para receberem empréstimos, uma vez que os resultados dos investimentos em tecnologia são geralmente assimétricos. Se a empresa tiver sucesso, os donos ficarão ricos. Se fracassar, haverá poucos ativos para os credores recuperarem. Porém, nos anos que se seguiram ao colapso da tecnologia/mídia/telecomunicações de 2000-2002, quando o interesse por ações de empresas de capital aberto diminuiu e grandes somas foram derramadas em fundos de private equity, as empresas tecnológicas começaram a ser compradas, muitas vezes com financiamento da área recém-popular de private credit.
6. Taxas de juros baixas incentivam o maior uso da alavancagem, aumentando a fragilidade
O dinheiro emprestado – a alavancagem – é o leite materno da expansão rápida e da especulação. No meu memorando Está tudo bem (Julho de 2007), comparei a alavancagem com o ketchup: “Eu era chato para comer quando criança, mas adorava ketchup, e minha seletividade poderia ser superada com ketchup”. O ketchup me fazia comer alimentos que de outra forma eu não consideraria. Da mesma forma, a alavancagem pode tornar passíveis de investimento aqueles investimentos que de outra forma seriam pouco atraentes. Digamos que lhe seja oferecido um empréstimo com baixa classificação que ofereça um rendimento de 6%. “De jeito nenhum”, você diz, “eu nunca compraria um título tão arriscado com um rendimento tão baixo”. Mas e se lhe disserem que você pode pedir dinheiro emprestado para comprá-lo a 4%? “Ah, agora a história é diferente. Vou comprar tudo que puder”. Porém, devemos observar que a alavancagem barata não melhora os investimentos; ela apenas amplifica os resultados.
Em períodos de taxas de juros baixas, os retornos potenciais absolutos são baixos e a alavancagem é barata. Por que não usar muita alavancagem para aumentar os retornos esperados? No final da década de 2010, o dinheiro fluiu tanto para private equity, considerando a sua ênfase nos retornos alavancados da propriedade das empresas e private credit, que fornece principalmente capital de dívida para negócios de private equity. Essas tendências complementaram-se e levaram a um aumento significativo no investimento alavancado.
Porém, na última década, algumas empresas adquiridas por fundos de capital privado foram sobrecarregadas com estruturas de capital que não conseguiram prever o aumento de 400-500 pontos base nas taxas de juros. Ter de pagar juros a taxas mais altas reduziu os fluxos de caixa e os índices de cobertura de juros dessas empresas. Dessa maneira, as empresas que contraíram o máximo de dívida possível – com base nos seus níveis de rendimentos anteriores e nas taxas de juros baixas prevalecentes – podem agora não conseguir pagar a sua dívida ou renová-la em um ambiente de taxas mais altas.
Finalmente, se todo o resto permanecer igual, quanto mais alavancagem for acumulada sobre uma empresa, menor será a probabilidade de ela conseguir sobreviver a uma fase difícil. Esta é uma das principais razões para o ditado “nunca se esqueça do homem de um metro e oitenta de altura que se afogou ao atravessar um riacho que tinha um metro e meio de profundidade em média”. A grande alavancagem pode tornar as empresas frágeis e dificultar-lhes a passagem pelos proverbiais pontos baixos do riacho. Vejamos, por exemplo, a Signa, uma grande empresa imobiliária de capital fechado na Europa, que anunciou em novembro do ano passado que estava iniciando um processo de falência:
A decisão de apostar tudo durante a era de dinheiro barato deixou a Signa perigosamente exposta ao forte aumento das taxas de juros este ano…. E o aumento das taxas de juros minou os valores dos imóveis comerciais em todo o mercado, reduzindo o valor dos ativos utilizados para garantir os empréstimos da Signa. (FT Asset Management Newsletter, 11 de dezembro de 2023, ênfase adicionada)
7. Taxas de juros baixas podem levar a descasamentos financeiros
Os episódios de dinheiro fácil tornam particularmente atraente contrair empréstimos de prazo curto a taxas baixas, para fazer investimentos ou empréstimos de longo prazo com retornos potenciais mais altos. Esta é a outra razão clássica pela qual, no mundo dos investimentos, os proverbiais indivíduos de um metro e oitenta muitas vezes se afogam. (Os investidores com vencimentos de passivos que correspondem à duration dos seus ativos atravessam o rio com muito mais regularidade.) Em períodos mais difíceis, se os credores exigirem o seu dinheiro de volta ou se recusarem a renovar a dívida existente quando ela vencer, os devedores podem acabar detendo ativos descontados ou ilíquidos – exatamente quando o dinheiro é necessário. Este é um tema familiar que frequentemente marca a mudança do ciclo de benigno para nefasto. Chancellor oferece um exemplo de 1866 em conexão com a falência da Overend Gurney, uma corretora de Londres:
Os empréstimos contra garantias ilíquidas e de longo prazo não eram um negócio adequado para a Overend, que normalmente descontava títulos comerciais de três meses financiados com chamadas diárias de dinheiro no money market. O The Times [de Londres] descreveu como a Overend errou:
Uma Discount Company que abandonou o negócio de corretagem, trocando-o pelo de “financiamento”, que travou seus ativos em títulos que prometiam pagar uma taxa de juros alta, mas incapazes de serem convertidos em dinheiro em uma emergência, encontrou seus recursos limitados demais para fazer frente às suas chamadas, exceto com um sacrifício ruinoso da sua propriedade, e teve, portanto, o pagamento suspenso. (TPOT)
8. Taxas de juros baixas dão origem a expectativas de taxas baixas contínuas
É comum que as pessoas concluam que o ambiente em que viveram durante algum tempo é “normal” e que o futuro implicará mais do mesmo. Por esta razão, as pessoas que se habituaram a taxas de juros baixas podem pensar que as taxas serão sempre baixas e tomar decisões com base nessa premissa. Consequentemente, a due diligence dos investidores ou o planeamento empresarial podem assumir que o custo do capital permanecerá baixo. Isso pode se tornar uma fonte de problemas caso as taxas forem mais altas quando o financiamento for efetivamente procurado.
Por exemplo, nos últimos meses, observei vários lotes no centro de Manhattan que foram liberados para a construção de novos edifícios. Considerando o longo processo de planejamento e aprovação envolvido nesses projetos, estes edifícios receberam, sem dúvida, luz verde no ambiente de taxas de juros baixas que precedeu 2022. Esses edifícios serão construídos se os custos reais de financiamento forem superiores aos assumidos? Ou serão abandonados a um custo significativo?
Quando o ano da pandemia de 2020 terminou, a recuperação econômica, a recuperação do mercado de ações e as baixas taxas de juros deixaram os investidores de bom humor, e houve uma crença generalizada de que a Fed manteria as taxas “baixas durante mais tempo”, apoiando a economia e o mercado de ações nos próximos anos.
Entretanto, os investidores aprenderam uma lição que se tem repetido ao longo da história financeira: catalisadores para aumentos das taxas de juros surgem inevitavelmente e, dessa forma, a prosperidade perpétua e o “fim dos ciclos” acabam não sendo mais do que ilusões. Considere outro exemplo de Chancellor:
Um dos objetivos da política monetária dos EUA na década de 1920 era mitigar as flutuações sazonais das taxas de juros causadas pelo ciclo agrícola, o que gerava um aperto monetário em determinados momentos do ano. O Fed teve tanto sucesso nisso que o Secretário do Tesouro, Andrew Mellon, chegou ao ponto de saudar o fim do ciclo de expansão e recessão. “Não somos mais vítimas dos caprichos dos ciclos econômicos… Como escreve o economista Perry Mehring [em The New Lombard Street]: “A intervenção para estabilizar as flutuações sazonais e cíclicas gerou taxas de juros monetárias baixas e estáveis, o que corroborou o boom de investimentos que alimentou os Roaring Twenties, mas também produziu uma bolha instável nos preços dos ativos”. (TPOT)
9. Taxas de juros baixas conferem benefícios e penalidades, criando vencedores e perdedores
É importante ressaltar que as taxas de juros baixas subsidiam os devedores em detrimento dos poupadores e credores. Faz sentido reduzir as receitas dos credores para que os investidores possam alavancar os seus investimentos de forma barata?
[Em meados do século XVII,] Thomas Manley acrescentou que a redução da taxa de juros envolveria roubar Peter (o credor) para pagar Paul (o devedor). (TPOT)
Fazer isso é uma decisão de política ou, mais provavelmente, a consequência de uma decisão de estimular a economia. Mas isso pode ter muitos outros efeitos.
Quando a taxa de juros sobre a poupança é de 4%, um aposentado que tem a sorte de ter economizado US$ 500.000 ganhará US$ 20.000 por ano no seu saldo bancário. Mas quando a taxa de juros está próxima de zero, como vimos durante grande parte dos últimos 14 anos, ele não recebe essencialmente nada. É bom para a sociedade fazê-lo se contentar com zero? Ou seria melhor se ele colocasse o dinheiro no mercado de ações em um esforço para ganhar mais?
Ao discutirmos as ramificações das decisões de política, consideremos o impacto das taxas baixas na distribuição do rendimento e da riqueza.
… uma vez que ativos como ações e imóveis são detidos desproporcionalmente pelos ricos, a ZIRP [a “política de taxa de juros zero” que foi introduzida em dezembro de 2008] ajudou a produzir o maior aumento na desigualdade da riqueza na história americana do pós-guerra. De 2007 a 2019… o 1% mais rico dos americanos viu o seu patrimônio líquido aumentar 46%, enquanto a metade inferior viu um aumento de apenas 8%. Um relatório do McKinsey Global Institute, não exatamente conhecido como um bastião do populismo econômico, calculou que, de 2007 a 2012, as políticas do Fed criaram um benefício para os devedores corporativos no valor de cerca de US$ 310 bilhões, enquanto as famílias que tentaram poupar dinheiro foram penalizadas em cerca de US$ 360 bilhões. (The Atlantic, 11 de dezembro de 2023, ênfase adicionada)
O enorme gap econômico é um dos maiores problemas que os EUA enfrentam e é provavelmente responsável por uma boa parte da extrema divisão que vemos diariamente nos meios de comunicação e na política. A decisão do banco central de estabelecer taxas que subsidiem alguns e penalizem outros claramente tem consequências.
10. Taxas baixas induzem um comportamento otimista que estabelece as bases para a próxima crise
Assumir riscos elevados, subestimar os custos de financiamento futuros e aumentar o uso da alavancagem estão frequentemente na origem de investimentos que fracassam quando testados em períodos de rigor subsequentes, provocando a próxima crise e talvez a necessidade do próximo resgate. Dessa forma, os excessos em uma direção normalmente precedem os excessos na outra.
Em outubro de 1889, o governador do Banco da Inglaterra, William Lidderdale, fez uma advertência severa à cidade:
A tendência atual das finanças… está claramente na direção do perigo, um capital excessivo está sendo empregado forçadamente em projetos industriais, os financiadores estão assumindo riscos cada vez maiores em títulos que exigem prosperidade e dinheiro fácil para serem carregados sem se tornarem um fardo, e um número crescente de investimentos tem sido impulsionado no preço pelos esforços combinados de um longo período de dinheiro barato e depressão no comércio… temos a maioria dos elementos de uma crise.
A história sem fim
Uma das citações a que volto com mais frequência é a suposta observação de Mark Twain de que “a história não se repete, mas frequentemente rima”. Para os investidores, os ciclos, juntamente com as suas causas e efeitos, estão entre as questões influentes que invariavelmente rimam de um período para o próximo.
Há cerca de 30 anos – em grande parte graças ao meu envolvimento com o meu sócio Bruce Karsh e os seus fundos de dívidas de empresas em dificuldades financeiras (distressed debts) – tornei-me muito mais consciente da importância das flutuações na disponibilidade e no custo do dinheiro. Portanto, escrevi o seguinte no meu memorando Você não pode prever. Você pode se preparar. (novembro de 2002):
Quanto mais tempo estou envolvido em investimentos, mais impressionado fico com o poder do ciclo de crédito. Basta uma pequena flutuação na economia para gerar uma grande flutuação na disponibilidade de crédito, com um grande impacto nos preços dos ativos e na própria economia.
Reutilizei esse parágrafo no meu livro de 2018 Dominando o ciclo de mercado: Aprenda a reconhecer padrões para investir com segurança, adicionando isso:
… o ciclo de crédito pode ser facilmente compreendido através da metáfora de uma janela. Resumindo, às vezes ela está aberta e às vezes está fechada. E, de fato, as pessoas no mundo financeiro fazem referência frequente exatamente a isso: “a janela de crédito”, como em “o lugar no qual você vai para pedir dinheiro emprestado”. Quando a janela está aberta, o financiamento é abundante e obtido facilmente, e quando está fechada, o financiamento é escasso e difícil de obter…
No livro fiz três observações fundamentais sobre os ciclos em geral:
- Os eventos que compõem cada progressão cíclica não se sucedem Muito mais importante, cada evento na progressão é causado por aqueles que ocorreram antes. Esta causalidade deve ser apreciada se quisermos entender os ciclos completamente e navegá-los com sucesso.
- A oscilação cíclica não é melhor concebida como consistindo apenas de “altos e baixos”, mas sim como (a) um desvio excessivo do ponto médio, tendência secular ou norma em uma direção, e (b) uma correção desse excesso, que muitas vezes termina em (c) uma continuação excessiva da correção na direção oposta. “Excessos e correções” é uma forma muito mais útil de pensar sobre ciclos do que “altos e baixos”.
- Os ciclos não têm começo e fim óbvios. O único requisito para que algo seja considerado corretamente um ciclo completo é que inclua quatro componentes: (1) um movimento de uma norma para um nível alto, (2) um movimento para longe desse nível alto e de volta à norma, (3) um movimento da norma para um nível baixo correspondente e (4) um movimento daquele ponto baixo de volta para a norma. Qualquer um deles pode ser intitulado o início de um ciclo, desde que inclua todos os quatro.
Embora não exista um ponto fixo que represente o início ou o fim oficial de um ciclo, a maioria dos ciclos econômicos pode ser descrita da seguinte forma. Notavelmente, cada etapa do ciclo causa a próxima.
- Primeiramente, os cortes estimulantes das taxas geram dinheiro fácil e acontecimentos positivos do mercado;
- que reduzem os retornos prospectivos;
- o que leva à disposição para assumir um maior risco;
- o que resulta em decisões imprudentes e, eventualmente, em perdas nos investimentos;
- que provocam um período de medo, rigor, falta de dinheiro e contração econômica;
- o que leva a cortes estimulantes nas taxas, dinheiro fácil e acontecimentos positivos no mercado.
Aqui está uma observação especialmente incisiva sobre o processo cíclico:
O banqueiro de Manchester, John Mills, comentou perspicazmente [em 1865] que “geralmente, o pânico não destrói o capital; apenas revela até que ponto ele foi anteriormente destruído pela sua traição em obras irremediavelmente improdutivas”. (TPOT, ênfase adicionada)
Como os leitores sabem, acredito que os investidores podem obter uma vantagem estudando os ciclos, entendendo as suas causas e observando excessos em uma direção que possam levar a correções na direção oposta. Walter Bagehot, editor do The Economist na década de 1860, é descrito como tendo demonstrado uma compreensão excepcional dos ciclos e do comportamento relacionado aos ciclos:
… os nossos mandarins monetários modernos nunca param para considerar os avisos de Bagehot sobre as consequências adversas do dinheiro fácil – como as taxas de juros fixadas em 2% ou menos alimentam manias especulativas, levam os poupadores a fazer investimentos de risco, encorajam os empréstimos ruins e enfraquecem o sistema financeiro. (TPOT)
O que mais gosto nos livros de Chancellor é a maneira como eles ilustram a tendência dos temas da história financeira de rimar, como diria Twain, e, portanto, como o comportamento que ocorreu há 200 ou 400 anos está sendo repetido hoje e certamente reaparecerá continuamente no futuro. O que ele conta é uma história sem fim.
Dinheiro fácil observado
O comportamento provocado pelas taxas baixas ocorre à vista de todos. Algumas pessoas percebem isso, e um subconjunto delas fala sobre isso, em vez de deixar o tema passar despercebido. Menos ainda compreendem as suas reais implicações. E quase ninguém muda a sua abordagem de investimento para levá-las em conta.
O período de taxas baixas que precedeu imediatamente a Crise Financeira Global de 2008-09 foi marcado pelo tipo de competição acirrada para fazer investimentos e fornecer financiamentos descrito acima. Foi neste clima que Chuck Prince, então CEO do Citi, fez a declaração pela qual é lembrado:
Quando a música parar, em termos de liquidez, as coisas vão ficar complicadas. Porém, enquanto a música estiver tocando, você precisa se levantar e dançar. (14 de julho de 2007)
Quando o dinheiro é fácil, poucas pessoas optam por ficar fora da dança, mesmo que os resultados adversos descritos acima possam ser razoavelmente previstos. Quando confrontadas com a escolha entre (a) manter padrões elevados e perder negócios e (b) fazer investimentos de risco, a maioria das pessoas escolherá a segunda opção. Especialmente os gestores de investimentos profissionais podem temer as consequências de um comportamento idiossincrático que pode parecer errado por algum tempo. Abster-se exige uma força incomum, principalmente quando isso significa evitar o comportamento de rebanho.
E isso me dá uma grande oportunidade de fazer referência a uma das minhas citações favoritas do maravilhoso livro de John Kenneth Galbraith sobre os excessos do mercado:
Contribuindo e apoiando esta euforia estão outros dois fatores pouco observados no nosso tempo ou em períodos passados. O primeiro é a extrema brevidade da memória financeira. Como consequência, o desastre financeiro é rapidamente esquecido… Deve haver poucos campos da atividade humana em que a história conte tão pouco como no mundo das finanças. (A Short History of Financial Euphoria)
As lições de períodos passados de dinheiro fácil geralmente não são ouvidas, pois esbarram (a) na ignorância da história, (b) no sonho do lucro, (c) no medo de perder a oportunidade e (d) na capacidade da dissonância cognitiva fazer as pessoas rejeitarem informações que sejam inconsistentes com suas crenças ou interesse próprio percebido. Essas coisas são invariavelmente suficientes para desencorajar a prudência em períodos de taxas de juros baixas, apesar das consequências prováveis.
Como você sem dúvida sabe, Charlie Munger faleceu em 28 de novembro aos 99 anos. Gostaria de prestar uma singela homenagem à vida e à sabedoria de Charlie, compartilhando algo que ele escreveu para mim em 2001: “Talvez tenhamos uma nova versão da lei de Lord Acton: o dinheiro fácil corrompe, e o dinheiro realmente fácil corrompe totalmente”.
Nós voltaremos ao dinheiro fácil?
Antes de passar à pergunta acima, gostaria de responder ao que me perguntam com mais frequência atualmente: “Você está dizendo que as taxas de juros serão mais altas por mais tempo?” Minha resposta é que as taxas de hoje não são altas. Elas são mais altas do que vimos em 20 anos, mas não são elevadas em termos absolutos ou relativos à história. Em vez disso, considero-as normais ou mesmo baixas.
- Em 1969, ano em que comecei a trabalhar, a taxa média dos fed funds era de 8,2%.
- Nos 20 anos seguintes, ela variou de 4% a 20%. Considerando essa faixa, eu certamente não descreveria 5,25-5,50% como alto.
- Entre 1990 e 2000, que eu consideraria o último período aproximadamente normal para as taxas, a taxa dos fed funds variou entre 3% e 8%, sugerindo uma mediana igual aos 5,25-5,50% atuais.
Então, não, as taxas de juros atuais não estão altas. Tendo descartado essa pergunta, passarei ao assunto desta seção: as perspectivas para as taxas.
Muitas das minhas razões para acreditar que não vamos regressar às taxas ultrabaixas estão enraizadas nas minhas ideias sobre como o Fed deveria pensar sobre a questão. Porém, o Fed poderia decidir baixar as taxas para estimular o crescimento econômico ou reduzir o custo do serviço da dívida nacional, mesmo que fazer isso possa ser considerado algo imprudente. Portanto, não tenho ideia do que o Fed fará. No entanto, continuo pensando como segue.
No meu memorando original Mudança radical, listei diversas razões pelas quais provavelmente não voltaríamos às taxas de juros ultrabaixas tão cedo. As mais importantes são:
- A globalização tem sido uma forte influência desinflacionária e provavelmente está em queda. Por esta razão – e porque o poder de negociação do trabalhador parece estar aumentando – acredito que a inflação poderá apresentar uma tendência de ser maior em um futuro próximo do que era antes de 2021. Se isso for verdade, significará, mantendo-se as outras variáveis constantes, que as taxas de juros serão mantidas mais elevadas para evitar a aceleração da inflação.
- Em vez de permanecer em uma postura perpetuamente estimulante, o Fed poderá querer manter a taxa neutra na maior parte do tempo. Esta taxa, que não é nem estimulante nem restritiva, foi estimada recentemente em 2,5%.
- O Fed poderá querer abandonar a atividade de controle das taxas e deixar que a oferta e demanda definam o preço do dinheiro, o que não acontece há um quarto de século.
- Após experimentar a inflação pela primeira vez em décadas, o Fed poderá manter a taxa dos fed funds suficientemente alta para evitar encorajar outro surto. Para controlar a inflação, poderíamos pensar que a taxa teria que ser mantida positiva em termos reais. Se a inflação for, digamos, de 2,5%, a taxa dos fed funds teria, por definição, de estar acima disso.
- Talvez o mais importante seja que uma das funções essenciais do Fed é adotar uma política monetária estimulante se a economia entrar em recessão, em grande parte por meio do corte das taxas. Ele não pode fazer isso de maneira eficaz se a taxa já for zero ou 1%.
A esta lista, eu acrescentaria mais algumas razões para não regressarmos às taxas de juro ultrabaixas, incluindo a tendência do dinheiro fácil para (a) induzir a assunção de riscos e os “maus investimentos”; (b) incentivar o aumento do uso da alavancagem; (c) produzir bolhas de ativos; e (d) criar vencedores e perdedores econômicos. Finalmente, reduzir as taxas para o território estimulante assim que a inflação atingir 2% poderá provocar uma reaceleração. Em vez disso, o plano deveria ser levar a inflação para 2% e posteriormente manter as taxas em um nível que não seja nem estimulante e nem restritivo.
Após listar os argumentos acima contra a renovação das taxas baixas, continuei o memorando Mudança radical para dizer o seguinte (apesar da minha forte aversão a previsões):
Estas são as razões pelas quais acredito que a taxa básica de juros nos próximos anos é mais provável de atingir a média de 2-4% (ou seja, não muito longe de onde está agora) do que 0-2%. Claro, há argumentos contrários. Mas, para mim, o resultado final é que as taxas altamente estimulativas provavelmente não estão em questão nos próximos anos, salvo no caso de uma recessão séria da qual precisemos nos recuperar…
A maioria das pessoas – exceto credores e poupadores – deseja taxas de juros baixas: pessoas (e empresas) com hipotecas e outras dívidas com taxas pós-fixadas, consumidores em geral, construtores de casas, concessionárias de automóveis e barcos, empresas de private equity e seus Limited Partners (LPs), investidores que utilizam alavancagem e as pessoas encarregadas de pagar os juros da nossa dívida nacional. Mas quando se consideram as razões para não manter as taxas permanentemente baixas, conforme enumeradas acima, considero que os méritos econômicos favorecem a fixação de taxas baixas apenas como uma medida de emergência para salvar a economia de retrações prolongadas ou severas.
Quando frequentei a pós-graduação na Universidade de Chicago, a principal luz intelectual era o economista Milton Friedman, que defendia vigorosamente que o mercado livre é o melhor alocador de recursos. Na mesma linha, estou convencido de que as chamadas taxas de juros “naturais” conduzem à melhor alocação global de capital. É por isso que gosto tanto da decisão de Chancellor de intitular seu livro The Price of Time. As taxas de juros são exatamente isso: o preço que os devedores pagam para alugar o dinheiro dos credores por um período. As taxas naturais refletem a oferta e a demanda por dinheiro e são encontradas na interseção entre (a) o preço que os emprestadores de dinheiro pedem para se desfazer dele temporariamente e (b) o preço que os devedores estão dispostos a pagar para usá-lo. Assim como o Chancellor, penso que é claramente melhor quando as taxas de juro ocorrem naturalmente.
Um consenso surgiu entre os praticantes ingleses da “aritmética política” [do século XVII] de que os juros – definidos por um escritor como “uma recompensa por se abster de usar o seu próprio dinheiro durante um período de tempo acordado” – eram muito parecidos com qualquer outro preço, cujo nível deve ser determinado por compradores e vendedores no mercado, e não por um decreto governamental. (TPOT)
Embora não possa ser conhecido com certeza, é útil considerar como o mundo seria se a taxa natural permanecesse em vigor; … uma taxa que reflita a preferência temporal da sociedade com precisão; que garanta que não pediremos muito dinheiro emprestado nem pouparemos muito pouco; que assegure que o capital seja utilizado de maneira eficiente e atribua um valor preciso à terra e outros ativos; uma taxa que proporcione aos poupadores um retorno justo e que não seja tão baixa que possa subsidiar os banqueiros e os seus amigos financeiros, nem tão alta que possa prejudicar os devedores. (TPOT)
Ou, como disse o presidente do banco central da Alemanha em 1927, em um período no qual os seus homólogos nos EUA e na Grã-Bretanha defendiam o dinheiro fácil, “Não me dê uma taxa baixa, ofereça-me uma taxa verdadeira, e então saberei como manter minha casa em ordem.” (TPOT)
As taxas naturais parecem estar relacionadas, mas não são exatamente a mesma coisa das “taxas neutras”, que são taxas que não são nem estimulantes nem restritivas. As taxas neutras têm menos probabilidade do que as taxas administradas de serem muito altas ou muito baixas e, portanto, menos propensas a encorajar comportamentos extremos. Como disse o economista sueco Knut Wicksell em 1936:
… se a taxa de juros fosse baixa demais, o crédito cresceria rapidamente e a inflação surgiria. Por outro lado, se a taxa fosse mantida muito alta, o crédito contrairia e os preços cairiam. (TPOT)
Na minha opinião, não temos um mercado monetário livre desde o final da década de 1990, quando acredito que a Fed se tornou “ativista”, ansioso por evitar problemas reais e imaginários por meio da injeção de liquidez. Considerando esse ativismo, os investidores ficaram preocupados com as ações do banco central e as suas consequências. Por anos, isso tem sido o assunto sobre o qual os investidores falam.
Se eu dirigisse o Fed (para ser claro, não espero que me ofereçam o cargo), considero que (a) reduziria as taxas para estimular a economia quando ela está crescendo de maneira lenta demais para gerar os empregos necessários; (b) aumentaria as taxas para arrefecer a economia quando ela estiver superaquecida, para evitar o aumento da inflação; e (c) não faria nada com as taxas no resto do tempo, permitindo que as forças do mercado determinem o seu nível. Sob esta visão, certamente não veríamos taxas perpetuamente próximas de zero, como fizemos na maior parte do tempo entre 2009 e 2021. (Estimo que a taxa dos fed funds tenha sido de cerca de 0,5% em média nesse período).
Finalmente, o que veremos daqui para frente? Parece agora que em algum momento de 2024, o Fed vai declarar vitória contra a inflação e começará a reduzir a taxa dos fed funds dos níveis atuais de 5,25-5,50%. O “dot plot” atual, que resume as opiniões dos integrantes do Fed, mostra três cortes nas taxas de 25 pontos base em 2024, levando a taxa para 4,60%, e posteriormente mais cortes em 2025, levando-a para cerca de 3,5%. No entanto, o consenso atual entre os investidores parece ser consideravelmente mais otimista do que isso, antecipando cortes de taxas mais frequentes/mais cedo/maiores.
Ainda no assunto do pensamento consensual, gostaria de salientar o seguinte:
- Há 18 meses, era quase universalmente aceito que o programa agressivo de aumentos da taxa de juros do Fed resultaria em uma recessão em 2023. Isso estava errado.
- Há doze meses, os otimistas que lançaram o rali atual do mercado acionário foram motivados pela sua crença de que o Fed adotaria uma atitude dovish(estimulativa) e começaria a cortar as taxas em 2023. Isso estava errado.
- Há seis meses, havia consenso de que haveria mais um aumento nas taxas no final de 2023. Isso estava errado.
Acho interessante que o rali do mercado acionário atual tenha começado como resultado de um otimismo alimentado por um pensamento consensual que, de maneira geral, estava errado. (Veja o segundo ponto logo acima.)
Atualmente, acredito que o consenso é o seguinte:
- A inflação está avançando na direção certa e em breve atingirá a meta do Fed de cerca de 2%.
- Consequentemente, aumentos adicionais nas taxas não serão necessários.
- Como uma consequência adicional, teremos uma aterrissagem suave marcada por uma pequena recessão ou mesmo nenhuma.
- Dessa forma, o Fed poderá reduzir as taxas novamente.
- Isso será bom para a economia e para o mercado de ações.
Antes de prosseguir, gostaria de observar que, para mim, esses cinco pontos lembram o “pensamento de Cachinhos Dourados”: a economia não estará aquecida o suficiente para aumentar a inflação nem fria o suficiente para provocar uma desaceleração econômica. Já vi o pensamento de Cachinhos Dourados algumas vezes ao longo da minha carreira, e isso raramente dura muito. Geralmente, algo não funciona como esperado e a economia se afasta da perfeição. Um efeito importante do pensamento de Cachinhos Dourados é que ele cria grandes expectativas entre os investidores e, portanto, espaço para potenciais decepções (e perdas). O FT Unhedged expressou uma opinião similar recentemente:
A carta de ontem sugeria que pensamos que a expectativa atual do mercado de um crescimento sólido e seis cortes nas taxas parecia provavelmente errada em uma direção ou outra: ou o forte crescimento limitará o Fed a realizar os três cortes de taxas que prevê atualmente, ou o crescimento será fraco e haverá tantos cortes quanto o mercado espera. Nesse sentido, o mercado parece estar precificando notícias boas demais para tornarem-se verdade. (20 de dezembro de 2023)
Não tenho uma opinião sobre se o consenso descrito acima está correto. No entanto, mesmo admitindo que esteja, continuarei com o meu palpite de que as taxas ficarão em torno de 2-4%, e não de 0-2%, ao longo dos próximos anos. Você quer mais especificidade? O meu palpite – e isso é tudo – é que a taxa dos fed funds ficará, em média, entre 3,0% e 3,5% durante os próximos 5-10 anos. Se você acha que estou errado, pergunte-se se colocaria seu dinheiro em uma faixa diferente de meio ponto. (Antes que os leitores protestem contra a minha incursão atípica nas previsões, gostaria de salientar que, na Oaktree, dizemos que não há problema em ter opiniões sobre o macro; simplesmente não é certo apostar o dinheiro dos clientes nisso. Investimos com consciência das condições macroeconômicas atuais, mas as nossas decisões de investimento baseiam-se sempre em análises bottom-up de empresas e títulos, e não em previsões macroeconômicas).
* * *
O resultado da minha tese de mudança radical é simples:
- O período de 1980 a 2021 foi geralmente de taxas de juros decrescentes e/ou ultrabaixas.
- Isto teve profundas ramificações em muitas áreas, incluindo a determinação de quais estratégias de investimento seriam vencedoras e perdedoras.
- Isso mudou em 2022, quando o Fed foi forçado a começar a aumentar as taxas de juros para combater a inflação.
- É pouco provável que voltemos a condições de dinheiro tão fácil, a não ser temporariamente em resposta a recessões.
- Portanto, o ambiente de investimento nos próximos anos apresentará taxas de juros mais altas do que vimos em 2009-21. Estratégias diferentes terão um desempenho superior no período pela frente e, portanto, uma alocação de ativos diferente é necessária.
Os pontos um a três acima são declarações de fato e irrefutáveis. Consequentemente, a conclusão – número cinco – depende exclusivamente de o número quatro estar correto. A pergunta é simples: você concorda com isso ou não? Se concordar, temos uma série de soluções a propor.
January 9, 2024
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