Memorando para: Clientes Oaktree
De: Howard Marks
Ref: A loucura da certeza
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O ímpeto para os meus memorandos pode surgir de diversas fontes. Este foi inspirado em um artigo do The New York Times na terça-feira, 9 de julho. O que chamou minha atenção foram algumas palavras no subtítulo: “Ela não tem dúvidas”. O orador era Ron Klain, ex-chefe de gabinete de Biden. A questão era se o presidente Biden deveria continuar concorrendo à reeleição. E “ela” era Jen O’Malley Dillon, a presidente da campanha de Biden. O artigo prosseguia citando-a como tendo dito: “Joe Biden vai vencer, ponto final”, poucos dias antes do seu debate contra o ex-presidente Donald Trump em 27 de junho.
E, com isso, obtive o assunto deste memorando: não se Biden continuará concorrendo ou desistirá – ou se vencerá caso continuar – mas sim como alguém pode não ter nenhuma dúvida. Será mais um dos meus memorandos “curtos”, considerando a vida útil incerta da candidatura de Biden.
Essa escolha de assunto me traz à mente uma outra vez em que ouvi uma pessoa altamente credenciada expressar certeza. Nesse caso, um reconhecido especialista em assuntos externos afirmou a um grupo do qual eu fazia parte que havia “uma probabilidade de 100% de que os israelenses ‘eliminassem’ a capacidade nuclear do Irã antes do final do ano”. Ele parecia ser um verdadeiro insider e eu não tinha motivos para duvidar da sua palavra. No entanto, isso foi em 2015 ou 2016, e ainda estou esperando o “antes do final do ano” chegar (em sua defesa, ele não disse em que ano).
Como indiquei no meu memorando A ilusão do conhecimento (Setembro de 2022), não há maneira de um analista macro oferecer uma previsão que incorpore corretamente todas as muitas variáveis que sabemos que afetarão o futuro, bem como as influências aleatórias sobre as quais pouco ou nada se pode saber. É por esse motivo, como escrevi no passado, que os investidores e outras pessoas que estão sujeitas aos caprichos do macrofuturo devem evitar o uso de termos como “vai”, “não vai”, “tem que”, “não pode”, “sempre” e “nunca”.
Política
Quando chegou a eleição presidencial de 2016, havia dois aspectos sobre os quais quase todos tinham certeza: (a) Hillary Clinton venceria, mas (b) se por algum capricho do destino Donald Trump vencesse, o mercado de ações entraria em colapso. Os especialistas menos convictos afirmavam que Clinton tinha 80% de probabilidade de vencer, e as estimativas da sua probabilidade de vitória variaram daí para cima.
Mesmo assim, Trump venceu e o mercado de ações subiu mais de 30% nos 14 meses seguintes. A resposta da maioria dos analistas foi ajustar seus modelos e prometer fazer melhor da próxima vez. A minha foi dizer: “se isso não for suficiente para convencê-los de que (a) não sabemos o que vai acontecer e (b) não sabemos como os mercados reagirão ao que realmente acontece, não sei o que é”.
Mesmo antes do amplamente discutido debate presidencial ocorrido há três semanas, ninguém que conheço manifestou muita confiança sobre o resultado das próximas eleições. Hoje, a Sra. O’Malley Dillon provavelmente suavizaria sua posição em relação à certeza de uma vitória de Biden, explicando que foi pega de surpresa pelo resultado do debate. Mas esse é o ponto! Não sabemos o que vai acontecer. A aleatoriedade existe.
Às vezes as coisas acontecem como as pessoas esperavam e elas concluem que sabiam o que iria acontecer. E algumas vezes os acontecimentos divergem das expectativas das pessoas, e elas afirmam que estariam certas caso algum acontecimento inesperado não tivesse ocorrido. Mas, em ambos os casos, a oportunidade para o inesperado – e, portanto, para o erro de previsão – estava presente. No último caso, o inesperado se materializou e, no primeiro, não. No entanto, isso não diz nada sobre a probabilidade de o inesperado acontecer.
Macroeconomia
Em 2021, o Federal Reserve dos EUA tinha a opinião de que o surto de inflação então em curso se revelaria “transitório”, o que posteriormente definiu como significando temporário, não arraigado e com probabilidade de se autocorrigir. Acho que o Fed poderia ter tido razão, se tivesse tido tempo suficiente. A inflação poderia ter recuado espontaneamente dentro de três ou quatro anos, depois que (a) os incentivos de auxílio por conta da COVID-19 que causaram o aumento nos gastos dos consumidores terem se esgotado e (b) a cadeia de suprimentos global ter regressado às suas operações normais. (No entanto, não desacelerar a economia teria trazido o risco de que a psicologia inflacionista pudesse se consolidar nesses três, quatro anos, necessitando de medidas ainda mais fortes.) Porém, como a visão do Fed não foi confirmada em 2021 e esperar mais tempo era algo insustentável, o Fed foi forçado a embarcar em um dos programas de aumento das taxas de juros mais rápidos da história, com implicações profundas.
Em meados de 2022, havia quase certeza de que os aumentos nas taxas pelo Fed desencadeariam uma recessão. Fazia sentido que o aumento drástico das taxas de juros gerasse um choque na economia. Além disso, a história mostrou claramente que apertos relevantes dos bancos centrais quase sempre levaram à retração econômica em vez de um “pouso suave”. E, no entanto, nenhuma recessão ocorreu.
Em vez disso, no final de 2022, o consenso entre os observadores do mercado mudou para a opinião de que (a) a inflação estava diminuindo, e isso permitiria que o Fed começasse a cortar as taxas de juros, e (b) os cortes nas taxas permitiriam que a economia evitasse a recessão ou garantisse que qualquer contração seria leve e de curta duração. Este otimismo desencadeou um rally do mercado de ações no final de 2022 que persiste até hoje.
No entanto, as reduções de taxas previstas em 2023 que sustentaram o rali não aconteceram. Depois, em dezembro de 2023, quando o “dot plot” de opiniões dos diretores do Fed indicavam três cortes nas taxas de juros em 2024, os otimistas que impulsionavam o mercado dobraram a aposta, precificando uma expectativa de seis cortes. A teimosia da inflação impediu quaisquer cortes nas taxas até agora, com mais de seis meses de 2024 já decorridos. Agora o consenso consolidou-se em torno da ideia de um primeiro corte em setembro. E o mercado de ações continua atingindo novas máximas.
Os otimistas hoje provavelmente dizem: “Estávamos certos. Veja esses ganhos! Porém, no que tange às reduções das taxas de juros, eles estavam simplesmente errados. Para mim, tudo isso serve como mais um lembrete de que não sabemos o que vai acontecer ou como os mercados reagirão ao que acontece.
Conrad DeQuadros, da Brean Capital, meu economista favorito (que tal um paradoxo?), forneceu um detalhe interessante para este memorando sobre o tema das conclusões dos economistas:
Utilizo o Anxious Index do Fed da Filadélfia (a probabilidade de uma queda no PIB real no próximo trimestre) como um indicador de que a recessão terminou. Quando mais de 50% dos economistas na pesquisa projetam uma queda no PIB real no próximo trimestre, a recessão já passou ou está prestes a acabar. (Minha ênfase)
Em outras palavras, a única coisa digna de certeza é a conclusão de que os economistas não deveriam expressar nenhuma.
Mercados
A rara pessoa que, em outubro de 2022, previu corretamente que o Fed não reduziria as taxas de juros nos próximos 20 meses estava absolutamente certa… e se essa previsão os mantivesse fora do mercado, eles perderiam um ganho de cerca de 50% no índice Standard & Poor’s 500. Por outro lado, o otimista em relação ao corte das taxas estava absolutamente errado sobre elas, mas provavelmente está muito mais rico hoje. Então, sim, o comportamento do mercado é muito difícil de ser avaliado corretamente. Mas não vou perder tempo aqui catalogando os erros dos sábios do mercado.
Em vez disso, gostaria de me concentrar na razão pela qual tantas previsões de mercado falham. O desempenho das economias e empresas poderá tender para a previsibilidade, dado que as forças que as governam são, de certa forma… diria… mecânicas. Nestas áreas, pode-se dizer “se A, então B” com algum grau de confiança. Portanto, as previsões aqui podem ter alguma chance de estar corretas, embora esse seja principalmente o caso quando as tendências continuam inabaláveis e a extrapolação funciona.
Porém, os mercados oscilam mais do que as economias e as empresas. Por quê? Devido à importância e imprevisibilidade da psique ou emoções dos participantes do mercado. Graças à ajuda adicional de Conrad DeQuadros, posso ilustrar a maior variabilidade dos mercados da seguinte maneira:
Desvio padrão de 40 anos das variações percentuais anuais
PIB 1,8%
Lucros Corporativos 9,4
S&P 13,1
Por que os preços das ações sobem e descem muito mais do que as economias e empresas que os influenciam? E por que é tão difícil prever o comportamento do mercado e ele muitas vezes parece não estar ligado aos acontecimentos econômicos e aos fundamentos das empresas? As “ciências” financeiras – economia e finanças – assumem que cada participante do mercado é um homo economicus: alguém que toma decisões racionais destinadas a maximizar seu próprio interesse financeiro. Porém, o papel crucial desempenhado pela psicologia e pela emoção muitas vezes faz com que esta premissa esteja errada. O sentimento dos investidores varia muito, sobrepujando a influência de curto prazo dos fundamentos. É por essa razão que relativamente poucas previsões de mercado se mostram corretas, e menos ainda estão “certas pelo motivo correto”.
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Atualmente, os especialistas estão fazendo todo tipo de previsões sobre as próximas eleições presidenciais. Muitas das suas conclusões parecem bem fundamentadas e até persuasivas. Ouvimos e lemos declarações daqueles que acreditam que Biden deveria e não deveria desistir; aqueles que pensam que ele vai e não vai; aqueles que acham que ele pode vencer caso continuar na disputa; e aqueles que pensam que ele certamente perderá. Obviamente, a inteligência, educação, acesso aos dados e poder de análise não podem ser suficientes para produzir previsões corretas. Muitos desses comentaristas possuem esses atributos, mas certamente nem todos estarão certos.
Ao longo dos anos, citei frequentemente a sabedoria de John Kenneth Galbraith. Foi ele quem afirmou: “Há dois tipos de previsores: aqueles que não sabem e aqueles que não sabem que não sabem.” Eu me pego usando essa citação o tempo todo. Outra das minhas citações favoritas de Galbraith é do seu livro A Short History of Financial Euphoria. Ao descrever as razões da “euforia especulativa e do colapso programado”, ele discute dois fatores “pouco observados no nosso tempo ou em tempos passados. Um deles é a extrema brevidade da memória financeira”. Também costumo citar esse fator.
Porém, não me lembro de alguma vez ter escrito sobre o seu segundo fator, que Galbraith afirma ser “a associação enganosa entre dinheiro e inteligência”. Quando as pessoas ficam ricas, outros entendem que isso significa que elas são inteligentes. E quando os investidores têm sucesso, muitas vezes presume-se que a sua inteligência pode levar a resultados igualmente bons em outras áreas. Além disso, os investidores bem-sucedidos muitas vezes passam a acreditar na força do seu próprio intelecto e a opinar sobre áreas sem qualquer ligação com os investimentos.
Mas o sucesso dos investidores pode ser o resultado de uma série de golpes de sorte ou de um ambiente propício, e não de quaisquer talentos especiais. Eles podem ou não ser inteligentes, mas muitas vezes não sabem mais do que a maioria dos outros sobre assuntos fora do mundo dos investimentos. No entanto, muitos são implacáveis nas suas opiniões, e essas opiniões são frequentemente muito valorizadas pela população em geral. Essa é a parte enganosa. E atualmente encontramos alguns deles falando com convicção de todos os lados das questões relacionadas com as eleições.
Muito se tem falado sobre quem expressa certeza. Todos nós conhecemos pessoas que descreveríamos como “frequentemente erradas, mas nunca em dúvida”. Isso me lembra outra das minhas citações favoritas, atribuída (talvez tenuemente) a Mark Twain: “Não é o que você não sabe que vai colocá-lo em apuros. É o que você tem certeza, mas que está errado.
Em meados de 2020, quando a pandemia parecia ter se tornado um fenômeno mais ou menos compreendido, diminuí o ritmo de redação dos meus memorandos, do padrão de um por semana em março e abril. Em maio, aproveitei a oportunidade para dois memorandos não relacionados à Covid, intitulados Incerteza e Incerteza II, no qual dediquei uma quantidade significativa de espaço ao tema da humildade intelectual. Embora esses memorandos tratassem de um dos meus temas favoritos, eles geraram pouca repercussão. Então, citarei um pouco do memorando Incerteza e espero dar-lhe motivos para relembrá-los.
Aqui está parte do artigo que primeiramente chamou minha atenção para o assunto da humildade intelectual:
Conforme definido pelos autores, a humildade intelectual é o oposto da arrogância ou vaidade intelectual. Na linguagem comum, ela se assemelha à mente aberta. Pessoas intelectualmente humildes podem ter crenças fortes, mas reconhecem a sua falibilidade e estão dispostas a ser provadas que estão erradas em questões grandes e pequenas. (Alison Jones, Duke Today, 17 de março de 2017)
. . . Simplificando, humildade intelectual significa dizer “não tenho certeza”, “a outra pessoa pode estar certa” ou mesmo “posso estar errado”. Acho que essa é uma característica essencial para os investidores; sei que ela está nas pessoas com quem gosto de me associar…
Nenhuma declaração que comece com “Não sei, mas…” ou “Posso estar errado, mas…” já colocou alguém em grandes apuros. Se admitirmos a incerteza, investigaremos antes de investir, verificaremos as nossas conclusões novamente e procederemos com cautela. Podemos subotimizar quando os tempos são bons, mas é improvável que quebremos ou derretamos. Por outro lado, as pessoas que têm certeza podem dispensar essas coisas e, se tiverem certeza e estiverem erradas, como sugere a citação de Twain, o resultado pode ser catastrófico…
…talvez Voltaire tenha dito isso melhor há 250 anos: A dúvida não é uma condição agradável, mas a certeza é absurda.
Simplesmente não há lugar para a certeza em campos que são influenciados por flutuações psicológicas, irracionalidade e aleatoriedade. A política e economia são dois desses campos, e o investimento é outro. Ninguém pode prever o que o futuro reserva nestas áreas com segurança, mas muitas pessoas superestimam sua capacidade e tentam fazê-lo mesmo assim. Evitar a certeza pode mantê-lo longe dos problemas. Eu recomendo fortemente fazer isso.
P.S.: Os torneios de tênis Grand Slam do verão passado serviram de inspiração para o meu memorando Menos perdedores ou mais vencedores? Da mesma forma, a final feminina do sábado passado em Wimbledon forneceu um recorte para este memorando. Barbora Krejcikova venceu Jasmine Paolini para conquistar o título feminino. Antes do torneio, os apostadores atribuíam uma chance de 125 para 1 para Krejcikova. Em outras palavras, eles tinham certeza de que ela não venceria. Os apostadores podem ter tido razão em duvidar do seu potencial, mas parece que não deveriam ter tanta certeza ao fazer suas previsões.
E por falar em imprevisível, não posso deixar de mencionar o recente atentado contra a vida de Donald Trump, acontecimento que poderia ter tido um resultado mais grave e impactante. Mesmo agora que isso aconteceu e o Presidente Trump escapou de sofrer ferimentos graves, ninguém pode afirmar com certeza como isso pode impactar as eleições (embora atualmente pareça reforçar as perspectivas de Trump) ou os mercados. Então, na verdade, isso reforça meu ponto principal: fazer previsões é em grande parte um jogo de perdedores.
17 de julho de 2024
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