Memorando para: Clientes Oaktree
De: Howard Marks
Ref: Devemos revogar as leis da economia?
_________________________________________________________________________
Há meses venho guardando clippings para um memorando sobre o tema acima, mas assuntos favoritos como risco, dívida e incerteza repetidamente furavam a fila, atrasando meu memorando planejado até que a temporada eleitoral nos EUA começasse a todo vapor, tornando-o atraente.
Assim como eu, você sem dúvida observou que políticos, desde o ex-Presidente Trump e a Vice-Presidente Harris até candidatos com baixa intenção de voto, voltaram a fazer promessas que ignoram a realidade econômica. O apelo de Trump por tarifas e o ataque de Harris ao lucro dos supermercados são apenas dois exemplos de propostas que imporiam custos que o candidato ignora (no caso de Trump) ou que não refletem um entendimento significativo do problema (no caso de Harris). Certamente, meu propósito não é promover ou rejeitar nenhum dos candidatos, mas sim ilustrar que não existe “almoço grátis” em economia, apesar das afirmações dos candidatos em contrário.
O histórico
Em 2016, com uma eleição presidencial excepcionalmente clamorosa em pleno andamento, publiquei dois memorandos que se afastavam dos investimentos, focando no mundo como um todo, que chamei de Realidade econômica e Realidade política. O primeiro explicava que a economia é, em grande parte, o estudo de como fazemos escolhas — como as pessoas alocam recursos finitos entre as opções disponíveis. O segundo afirmava que na política — e especialmente na terra das promessas de campanha — não existe finitude. Como eu escrevi em Realidade política:
Sempre gostei de oximoros – frases que são internamente contraditórias – como “camarão jumbo” e “bom senso” (ou “common sense” em inglês). Acrescentarei a “realidade política” à lista. O mundo da política tem sua própria realidade alterada, na qual a realidade econômica muitas vezes parece não interferir. Não há necessidade de fazer escolhas: os candidatos podem prometer tudo. E não há consequências. Se algo pode ter consequências negativas no mundo real, os políticos parecem se sentir livres para ignorá-lo.
Segui esses dois memorandos com um em 2019 intitulado A realidade política encontra a realidade econômica. Sua principal ideia era que os políticos podem prometer o que quiserem no que tange à economia, mas não conseguirão cumprir o que dizem se suas promessas contrariarem a realidade econômica pois, em última análise, as leis da economia são incontestáveis. Economias livres são movidas por decisões em interesse próprio tomadas por milhões de produtores e consumidores, empregadores e empregados, e poupadores e investidores. Os governos podem aprovar leis destinadas a incentivar ou até mesmo obrigar comportamentos. No entanto, de maneira geral, não podem impor resultados econômicos. Há tantas peças se movendo e consequências de segunda ordem que os governos geralmente não conseguem produzir, ao mesmo tempo, prosperidade e os resultados econômicos específicos que os formuladores de políticas buscam.
A história está repleta de economias centralizadas que não tiveram sucesso. Há provas disso que incluem o “grupo de controle” exigido pelo método científico. Há 80 anos, a Coreia era um único país. Então, após a Segunda Guerra Mundial, ela foi dividida em dois, obviamente com pessoas, geografia e recursos similares: Coreia do Sul (sob influência dos EUA) e Coreia do Norte (sob influência soviética). Desde então, a Coreia do Sul vem funcionando como uma democracia capitalista e a Coreia do Norte como uma ditadura comunista. Há poucos dados econômicos confiáveis sobre a Coreia do Norte, mas de acordo com o Worldbook da CIA, seu PIB em termos de poder de compra é estimado em US$ 2.000 por pessoa, contra US$ 50.000 na Coreia do Sul. Os cidadãos da Coreia do Norte são descritos como pobres, mas pelo menos não há problemas de fronteira, já que ninguém tenta entrar furtivamente. Existem diferenças políticas (democracia versus ditadura) além das econômicas, mas acho que é justo dizer que o capitalismo venceu.
Em discussões sobre sistemas econômicos, costumo perguntar às pessoas o que elas acham que foi responsável pela dominância econômica que os EUA desfrutaram desde o fim da Primeira Guerra Mundial e, portanto, pelo maior padrão de vida médio dos seus cidadãos. Os americanos são mais inteligentes? Trabalham mais? São mais merecedores? Nenhuma das opções anteriores. Estou certo de que isso ocorre por causa da nossa adesão histórica ao sistema de livre mercado e ao capitalismo.
Os incentivos fornecidos pelos livres mercados direcionam o capital e outros recursos eficientemente para onde eles serão mais produtivos. Eles estimulam os produtores a fabricar os produtos que as pessoas mais desejam e os trabalhadores a aceitar os empregos em que serão mais produtivos em termos de valor da sua produção. Além disso, incentivam o trabalho duro e a assunção de riscos. O resultado é um padrão de vida mais alto para a sociedade em geral, mas certamente nem todos se beneficiam no mesmo nível. Graças à maneira na qual os incentivos interagem com as diferentes habilidades das pessoas, algumas delas se saem consideravelmente melhor do que outras. Algumas também prosperam graças à boa sorte e/ou vantagem herdada, em vez da habilidade inata. O sistema de livre mercado não gera necessariamente resultados “justos” em todas as circunstâncias, mas os sistemas econômicos projetados para isso geralmente não oferecem os incentivos necessários para encorajar a produtividade econômica para o bem coletivo. É isso que explica seu histórico de fracasso.
Em 15 de agosto, os meios de comunicação noticiaram que, no dia seguinte, a Vice-Presidente Harris anunciaria suas políticas econômicas. A maior parte da atenção foi para sua promessa de proibir a prática de preços abusivos no setor de alimentos. “Os preços dos alimentos… aumentaram 26% desde 2019, de acordo com Elizabeth Pancotti, Diretora de Iniciativas Especiais do Roosevelt Institute, um think tank de esquerda” (The Washington Post, 15 de agosto), e muitos eleitores afirmam que a inflação é sua maior preocupação. Por essa combinação de motivos, Harris ter mirado os preços dos alimentos é totalmente previsível. (Ironicamente, 15 de agosto também foi o dia em que a inflação dos EUA caiu abaixo de 3% pela primeira vez desde março de 2021.) No entanto, estou certo de que isso se enquadra no título de soluções econômicas simplistas, projetadas para atrair os eleitores, mas que não têm uma base sólida e provavelmente fracassará.
O que é manipulação de preços?
A manipulação de preços é geralmente definida como vendedores tirando vantagem do poder de mercado ou de desequilíbrios temporários entre oferta/demanda para aumentar os preços a níveis que, de outra forma, não prevaleceriam. Os preços dos alimentos realmente aumentaram significativamente em 2021 e 2022, gerando desconfiança em relação aos varejistas de alimentos. No entanto, pode haver outras razões para os aumentos de preços além de uma decisão malévola de exploração dos vendedores? Aqui estão algumas possibilidades:
- Quando a pandemia começou em março de 2020, a maioria das pessoas ficou em casa e preparou suas próprias refeições, aumentando significativamente a demanda por alimentos e esgotando os estoques.
- O sistema de produção foi interrompido, com insumos em falta ou nos lugares errados em relação às necessidades. Isso levou aos “problemas da cadeia de suprimentos” amplamente discutidos. Poucos bens — somados a muito dinheiro para adquiri-los — constituem a razão clássica da inflação.
- O governo federal enviou grandes quantias de auxílio para a Covid-19 aos contribuintes. Uma parcela muito maior de pessoas recebeu benefícios do que as que foram prejudicadas financeiramente pela pandemia. Essas pessoas se beneficiaram, capturando trilhões de dólares para gastos futuros.
- Quando a variante Delta da Covid surgiu em meados de 2021, as pessoas ficaram em casa novamente e evitaram contato com outras pessoas, gastando mais em bens e menos em serviços do que gastariam de outra forma. Consequentemente, a demanda por bens foi forte, superando a oferta limitada e fazendo com que os preços subissem.
As margens de lucro no setor de supermercados são baixas — cerca de 1% a 2% das vendas — e isso mudou apenas um pouco em 2021-22. Então, houve manipulação? E se a manipulação de preços é a explicação para os aumentos de preços, por que isso ocorreu naqueles anos, e não antes? Novamente, os altos preços atuais podem ser explicados por algo diferente de manipulação? O The New York Times, raramente um defensor do capitalismo, escreveu o seguinte em 15 de agosto:
Pesquisadores do Federal Reserve Bank de Kansas City reportaram no ano passado que o rápido crescimento de empregos na economia dos EUA e os aumentos salariais que o acompanharam foram os principais contribuintes para o aumento dos preços dos alimentos.
Vários fatores contribuíram para o aumento dos preços dos alimentos, muitos deles ligados à macroeconomia. Porém, o ponto principal é que as condições permitiram que os vendedores de alimentos aumentassem os preços, e eles fizeram isso.
Aumentar os preços é algo errado?
A pergunta acima é a questão-chave. As definições de aumento abusivo de preços invariavelmente incluem palavras como “injusto”, “excessivo” e “exorbitante”. Esses são termos subjetivos que estão abertos a julgamento e debate. A propriedade do comportamento em relação a essas palavras geralmente depende de quem vê. O aumento de preço altamente razoável do vendedor é uma exploração aos olhos do consumidor. A dificuldade de definir exploração me faz lembrar daqueles que dizem: “não queremos sugar os ricos; só queremos que eles paguem sua cota justa de impostos”. Estou longe de dizer que os ricos não devem pagar sua “cota justa”, mas qual é o padrão para uma cota justa e quem pode defini-lo? Da mesma forma, quem determina se os preços são justos e como?
Quando um supermercado aumenta o preço de uma necessidade como o pão, isso é abusivo? A resposta é que isso é algo complicado, e que dificulta a regulação justa dos preços.
- Se o fazendeiro paga mais por fertilizantes e mão de obra e posteriormente cobra mais do padeiro pelo trigo, o padeiro pode repassar esse aumento de forma justa ao supermercado na forma de um preço mais alto pelo pão?
- Se o padeiro aumenta o preço que cobra do supermercado pelo pão, é errado o supermercado repassar o aumento ao consumidor?
- Se os funcionários do supermercado exigem salários mais altos, ele pode compensar o aumento ao elevar os preços dos produtos que vende?
- Se a demanda aumenta porque um programa de TV de sucesso populariza os sanduíches, é errado que as pessoas na cadeia de suprimentos aproveitem e cobrem mais pelo pão?
Em um mercado livre, os preços são determinados pela oferta e demanda. É errado, por si só, que fornecedores de bens e serviços aumentem os preços em resposta à redução da oferta ou ao aumento da demanda? Alguns exemplos devem deixar clara a natureza complexa desta questão.
- A Uber aplica “tarifas dinâmicas” durante o horário de pico, quando mais pessoas querem se deslocar. Isso é uma prática injusta? Se o governo disser que a Uber não deve fazer isso, isso tornará as viagens disponíveis a preços abaixo do que algumas pessoas pagariam e privará os motoristas do valor integral da tarifa que poderiam receber. E a tarifa que os motoristas receberiam poderia não ser alta o suficiente para justificar o tempo que eles passariam presos no trânsito, o que significa que menos motoristas estariam disponíveis a enfrentar o pico de demanda e as pessoas que precisassem de transporte ficariam sem atendimento. Isso é preferível?
- Se 1.000 ingressos para um show da Taylor Swift são colocados à venda por US$ 100 e 3.000 pessoas fazem fila para comprá-los, qual é a mensagem? Simples: eles são muito baratos! Seria injusto o promotor do show aumentar o preço até que houvesse apenas 1.000 pessoas na fila? Poucas pessoas diriam isso. No entanto, se, em vez disso, o preço permanecer em US$ 100 e as primeiras 1.000 pessoas comprarem todos os ingressos, isso deixará uma demanda não atendida, e nesse caso aqueles que compraram os ingressos poderão revendê-los por mais de US$ 100. O lucro iria para os revendedores, que compraram seus ingressos por um preço muito baixo. Isso é justo? Não seria mais justo se os preços dos ingressos fossem aumentados e o aumento fosse para Tay Tay, refletindo o valor total que seus fãs atribuem ao seu trabalho?
- Em 2021, quando as pessoas queriam deixar seus apartamentos na cidade e havia escassez de casas e materiais de construção, os preços dos imóveis dispararam. Se você tivesse uma casa no valor de US$ 400.000 em 2019 e pedisse US$ 500.000 por ela no ambiente pós-pandemia, seu comportamento seria imoral? O governo deveria processar pessoas que pediram mais por suas casas?
- Finalmente, quando a economia voltou à vida em 2021 e havia várias vagas de emprego por trabalhador desempregado, tornando salários mais altos possíveis, os trabalhadores puderam dizer ao chefe: “Posso conseguir um salário mais alto em outra empresa. Se você não me der um aumento, vou embora”. O governo deve limitar os aumentos salariais em um momento em que os funcionários têm vantagem nas negociações? No outono de 2023, o sindicato United Auto Workers aproveitou o poder de barganha provocado pelo mercado de trabalho aquecido para extrair da Ford “um aumento salarial de 11% no primeiro ano e um aumento salarial total de 25% ao longo do contrato de 4,5 anos, um bônus de ratificação de US$ 5.000 e um ajuste no custo de vida” (Wikipédia) Este foi um pacote enorme. Ele representava exploração?
Cada um desses exemplos mostra uma parte aproveitando as condições da oferta/demanda para cobrar mais pelo que tem a oferecer. Porém, certamente, suas ações não são ilegítimas. Eles são simplesmente exemplos de como os mercados funcionam.
A alternativa seria que o governo decidisse quem deveria prevalecer em cada caso. Deveria ser o motorista do Uber ou o passageiro; o frequentador do show ou o artista; o proprietário ou o comprador da casa; o trabalhador ou o empregador? Muitos têm uma tendência impulsiva de simpatizar com o passageiro, o frequentador do show, o comprador da casa e o trabalhador, pois é fácil se importar menos com a pessoa que está lucrando: o motorista, popstar, proprietário da casa e empregador. No entanto, se o governo coloca o dedo na balança em favor de uma parte ou outra, ele distorce o funcionamento do livre mercado e o impede de funcionar eficientemente em nome da sociedade como um todo. Mais sobre isso depois.
Há formas de comportamento do vendedor que são claramente erradas. Isso inclui conluio, fixação de preços e preços predatórios projetados para expulsar concorrentes do mercado. Porém, leis que proíbem esses comportamentos já estão em vigor. Leis adicionais destinadas a proibir e punir aumentos de preços que alguém enxerga como sendo injustos, excessivos ou exorbitantes – em vez de serem o resultado de conduta imprópria – certamente serão difíceis de aplicar e contraproducentes.
Uma lei contra a especulação de preços funcionaria?
Assim como a história está repleta de economias centralizadas que fracassaram, ela também mostra a ineficácia das tentativas de regular preços. Em 1974, quando o embargo do petróleo da OPEP desencadeou uma inflação que dificultou a vida de milhões de pessoas, o governo dos EUA reagiu distribuindo bótons “WIN”, que significa Whip Inflation Now (Acabe com a inflação agora). Eu ainda tenho o meu, mas nem ele nem as ações voluntárias dos consumidores que deveriam ter ocorrido foram suficientes para impedir que a inflação atingisse 13,5% em 1980. Os bótons foram ridicularizados, com alguns céticos usando-os de cabeça para baixo, de acordo com a Wikipédia. “Usado dessa forma, ”NIM’ significava ‘Sem Milagres Imediatos’, ‘Carrossel de Inflação Ininterrupta’ ou ‘Preciso de Dinheiro Imediato’.
Há uma experiência mais recente com controles de preços na Venezuela. Aqui está o que eu disse sobre isso no memorando Realidade econômica:
Um exemplo claro disso são os controles de preços, que cresceram para se aplicar a um número cada vez maior de bens: alimentos e medicamentos vitais, sim, mas também baterias de carro, serviços médicos essenciais, desodorantes, fraldas e, claro, papel higiênico. O objetivo aparente era controlar a inflação e manter os produtos acessíveis aos pobres, mas qualquer pessoa com conhecimentos básicos de economia poderia ter previsto as consequências: Quando os preços são definidos abaixo dos custos de produção, os vendedores não conseguem manter as prateleiras abastecidas. Os preços oficiais são baixos, mas é uma miragem: Os produtos desapareceram. (Atlantic Monthly, 12 de maio de 2016, ênfase adicionada)
Aqui vai uma surpresa: você pode definir preços para os bens, mas não pode obrigar as pessoas a produzi-los. Isso parece muito com a realidade econômica.
Este é um exemplo do fato de que as autoridades podem acreditar que podem controlar o desenvolvimento econômico com uma canetada, mas serão frustradas por consequências de segunda ordem que complicam o esforço.
Não há nada de errado em tentar reduzir o custo dos produtos de primeira necessidade. No entanto, a melhor maneira de fazer isso é incentivar aumentos na oferta. Outra maneira é não estimular demais a demanda injetando liquidez excessiva na economia. Exigir preços mais baixos é geralmente a maneira menos eficaz de obtê-los.
Este é um bom momento para mencionar o ditado de economistas de que “a melhor solução para preços altos são preços altos”. Isso não é uma piada; longe disso. De maneira geral, preços altos significam que a demanda é forte em relação à oferta. Eventualmente, esses preços altos encorajarão os produtores a produzir mais e os consumidores a consumir menos, e o impacto depressivo sobre os preços nas duas direções é óbvio. Vemos este cenário o tempo todo no mercado de petróleo, só para dar um exemplo.
É muito improvável que uma burocracia governamental criada para regular o preço dos alimentos tenha sucesso e quase certamente ela teria efeitos adversos. Então, não há benefícios com os quais podemos contar com os controles de preços? Posso pensar em um: milhares de novos empregos (embora improdutivos) nessa nova burocracia. Como Jason Furman, um economista relativamente liberal, afirmou sobre os esforços de Harris contra a manipulação de preços: “Esta não é uma política sensata, e acho que a maior esperança é que ela acabe sendo muita retórica e nenhuma realidade”.
Outro caso em questão: Controle de aluguel
A questão que sugeriu este memorando pela primeira vez há vários meses foi o controle dos aluguéis, algo com que tive experiência pessoal, pois morei em um apartamento cujo aluguel era de US$ 92 por mês em 1956, quando tinha dez anos.
O governo federal implementou o controle de aluguéis durante a Segunda Guerra Mundial para que, com poucos prédios de apartamentos novos sendo construídos e os chefes de família lutando na guerra em vez de ganhar seus salários normais, as famílias não fossem expulsas dos seus apartamentos devido aos preços altos. Os aluguéis de apartamentos em Nova York foram congelados nos níveis de 1943. Provavelmente esta era uma boa ideia, considerando as circunstâncias incomuns da guerra, mas o programa não foi desmantelado posteriormente e ainda rege alguns apartamentos que foram construídos há mais de 80 anos. Assim, a regulamentação dos aluguéis ainda causa estragos na oferta e demanda por apartamentos na cidade de Nova York.
De maneira geral, o controle de aluguéis da cidade de Nova York limita os aumentos de aluguel nos apartamentos, desde que eles sejam ocupados por pessoas que eram inquilinos em 1971 ou parentes que moravam com eles. A lei foi promulgada para proteger os moradores da época, mas os apartamentos foram repassados com aluguéis controlados para pessoas que não necessariamente moravam neles em 1971. Há cada vez menos pessoas que atendam o critério acima, então essa forma de regulamentação de aluguel está acabando.
Regulamentações mais recentes continuam em vigor sob a rubrica de “estabilização dos aluguéis”. Um exemplo é a Moradia Inclusiva Obrigatória, que me foi explicada da seguinte forma: se você deseja construir um prédio de apartamentos e precisa de algum benefício de zoneamento – e praticamente todos os projetos precisam – deve concordar com o seguinte:
- Uma porcentagem dos apartamentos será “acessível”.
- Os inquilinos de apartamentos acessíveis devem ter uma renda bem abaixo da média da área.
- O aluguel máximo permitido será definido com base em uma porcentagem da renda dos inquilinos.
- Os aumentos de aluguel na renovação do contrato serão regulamentados, geralmente em alguns pontos percentuais ao ano.
A maioria concordaria que é louvável incentivar a criação de novos apartamentos acessíveis, mas esse método específico de fazer isso tem o efeito resultante de aumentar o custo da construção de apartamentos. Provavelmente todos estariam melhor se houvesse simplesmente mais apartamentos novos construídos a cada ano.
O ponto principal é que os aluguéis da maioria dos apartamentos da cidade de Nova York continuam sujeitos a uma forma de controle ou outra e é improvável que algum dia sejam totalmente desregulamentados. Consequentemente, os incentivos para construir novos apartamentos são limitados e, entre 2002 e 2017, por exemplo, o crescimento no número de apartamentos para locação na cidade de Nova York foi de apenas 0,3% ao ano.
As benfeitorias em apartamentos regulamentados também são regulamentadas. As despesas com benfeitorias são limitadas a um valor muito pequeno em qualquer período de 15 anos, e o investimento pode ser recuperado somente por meio de um aumento no aluguel mensal igual a uma pequena porcentagem do custo das benfeitorias. Portanto, fazer benfeitorias geralmente não é econômico:
Muitos proprietários não alugam suas unidades vagas sujeitas ao aluguel estabilizado, pois os custos operacionais e de reforma podem exceder o aluguel máximo legal. Em 2022, havia cerca de 20.000 apartamentos de aluguel estabilizado vagos na cidade de Nova York. (Wikipédia)
Pode haver algo errado com um sistema onde (a) há uma forte demanda por apartamentos, mas (b) é mais lucrativo manter os apartamentos vagos do que alugá-los? Os apartamentos não são muito diferentes do pão ou papel higiênico. As autoridades podem limitar o preço que as pessoas têm que pagar, o que é popular entre os consumidores. No entanto, exceto nas jurisdições mais ditatoriais, elas não podem forçar os fornecedores a produzir bens para venda aos preços regulamentados.
Ao tentar acompanhar os artigos sobre a situação dos apartamentos em Nova York neste ano, percebi que os seguintes fatores geralmente são listados como desestimulantes à criação de apartamentos: (a) falta de incentivos fiscais e subsídios, (b) resistência à construção de prédios de apartamentos acessíveis nos subúrbios e (c) altas taxas de juros (embora esta última não possa ser utilizada para explicar o baixo nível de construção de apartamentos na década de 2010). O que mais me impressionou foi a ausência de qualquer menção ao impacto das regulamentações de aluguel.
Um artigo de 9 de fevereiro do The New York Times despertou particularmente meu interesse. O artigo reportou que a porcentagem de apartamentos para locação na cidade de Nova York que estavam “vagos e disponíveis” caiu para 1,4%, o menor valor desde 1968. Além disso, continuou dizendo: “Especialistas em habitação consideram uma taxa de vacância saudável em torno de 5 a 8 por cento”. Então por que há tão poucos apartamentos vagos? Tudo se resume à oferta e procura:
a)Como no exemplo dos ingressos para Taylor Swift, eles são simplesmente baratos demais. Isso significa que a demanda é forte e os apartamentos não ficam vagos.
b)Além disso, como os aluguéis são mantidos muito baixos, os potenciais construtores não conseguem obter retornos atraentes, o que significa que há poucas adições à oferta. (Também imagino que se os construtores de apartamentos pudessem obter um retorno aceitável sobre o investimento, eles teriam que se preocupar com novas regulamentações que os expropriassem.)
Conforme mencionado anteriormente em relação aos preços em geral, se a demanda por apartamentos for forte e a oferta restrita, o resultado deverá ser um aumento nos aluguéis, incentivando os proprietários a aumentar a oferta. No entanto, as forças de mercado não têm permissão para funcionar livremente na cidade de Nova York; as leis da economia foram distorcidas pela regulamentação. O artigo de 9 de fevereiro incluía as seguintes afirmações (e elas foram extraídas do The New York Times, e novamente, de maneira geral ele não é amigo do capitalista):
A resposta é que os incorporadores geralmente não conseguem obter retornos pela construção de apartamentos que sejam competitivos em comparação com os retornos de outras formas de investimento…
Especialistas em habitação estimam que o número de habitações que a cidade precisa construir é de algumas centenas de milhares.
No entanto, até agora, a cidade e o estado não tomaram medidas que pudessem acelerar o desenvolvimento habitacional o suficiente para resolver a crise…
[A governadora Kathy] Hochul afirmou em uma declaração que a pesquisa foi “o lembrete mais recente de que só podemos sair desta crise construindo”.
Porém, é interessante observar que as “ações” descritas como tendo o potencial de levar à “sair dessa crise construindo” sempre enfatizam subsídios e incentivos fornecidos pelo governo, nunca permitindo que o livre mercado defina o preço dos aluguéis.
Uma pessoa a favor desse arranjo argumentaria que ele mantém a acessibilidade e diversidade. O que isso significa em termos puramente econômicos é que algumas pessoas que não teriam condições de viver na cidade de Nova York caso os aluguéis fossem determinados pelas forças do livre mercado conseguem viver lá se tiverem a sorte de conseguir um apartamento com aluguel regulamentado. Entretanto, outras pessoas que gostariam de morar na cidade de Nova York e podem pagar aluguéis mais altos não conseguem porque não há apartamentos para elas. E, finalmente, os proprietários que têm apartamentos que não são regulamentados de alguma forma podem cobrar aluguéis mais altos do que seriam caso as adições à oferta de apartamentos não fossem desencorajadas. É uma questão de filosofia pessoal se isso é bom ou ruim. Porém, claramente, as leis da economia e as ações do livre mercado não funcionam na cidade de Nova York. Alguém no governo está tomando as decisões.
Vou encerrar esta discussão com um comentário que Jason Furman fez sobre os preços dos alimentos:
O Sr. Furman… disse… se os preços não subirem em resposta à forte demanda, novas empresas podem não ter tanta inclinação a entrar no mercado e aumentar a oferta. (The New York Times, 15 de agosto)
A propósito, como parte do seu pacote econômico de 16 de agosto, Harris afirmou que proibiria os proprietários que possuem mais de 50 apartamentos de aumentar os aluguéis em mais de 5% por dois anos. Isso pode ou não ser uma boa ideia, mas certamente não vai incentivar o aumento do investimento em apartamentos.
Regulamentações diversas
Há tantos exemplos de tentativas governamentais de ignorar ou burlar as leis da economia que é intimidador pensar em catalogá-los, mas devo discutir alguns aqui e suas deficiências:
- Outro componente do programa econômico de Harris é um plano de oferecer US$ 25.000 aos compradores de seu primeiro imóvel para ajudar na entrada. Certamente, atualmente é difícil para os jovens conseguirem o dinheiro necessário para se tornarem proprietários de imóveis. O problema aqui é que dar US$ 25.000 a um milhão de compradores potenciais, ou US$ 25 bilhões no total, quase certamente resultaria em um aumento imediato nos preços dos imóveis, eliminando grande parte do benefício esperado do programa. Fácil: isso pode ser evitado com a aprovação de uma lei que proíba os vendedores atuais de aumentar os preços dos imóveis em resposta à promulgação do programa. Mas e as casas que chegarão ao mercado no futuro? Simples: promulgar outra lei que estabeleça que você não pode pedir mais pela sua casa do que pediria se o programa não existisse. Tente fazer isso funcionar.
- Quando era presidente, Donald Trump decretou tarifas sobre produtos da China para combater práticas comerciais que ele considerava injustas. Agora, ele promete uma tarifa geral de 10% sobre as importações. Essas tarifas podem desencorajar as importações, estimular a produção doméstica e reduzir o déficit comercial crônico dos EUA. Porém, elas provavelmente seriam pagas pelos consumidores de produtos importados, já que fabricantes e exportadores dificilmente absorveriam uma tarifa se pudessem repassá-la. Por muitos anos, importações de baixo custo mantiveram a inflação baixa nos EUA e permitiram que os americanos desfrutassem de um padrão de vida atraente. Novas tarifas amplas provavelmente serão o equivalente a aumentos de preços para os consumidores americanos. E as tarifas — e aquelas impostas por outras nações em retaliação — prejudicariam a globalização, o que beneficia a economia global ao permitir que as pessoas em cada nação façam pelo mundo aquilo em que são melhores.
- As propostas políticas de Trump também incluem a extensão dos seus cortes de impostos de 2017, que estavam expirando, e uma profusão de novos cortes. Há algo para todos, com cortes de impostos para pessoas físicas e jurídicas, incluindo o fim da tributação das gorjetas, benefícios da Previdência Social e pagamento de horas extras. O Modelo Orçamentário da Penn Wharton estima que, em 2026, o plano reduziria os impostos em US$ 320 para a pessoa média no quintil de renda mais baixo e em US$ 47.220 para aqueles no percentil mais alto. Mesmo sem considerar as últimas propostas, como a isenção do pagamento de horas extras, projeta-se que essas ações aumentem o déficit nacional em US$ 5,8 trilhões na próxima década, ou US$ 4,1 trilhões após incorporar seu potencial impacto estimulante na economia geral (os chamados “efeitos cascata”). Fora essa possibilidade, não há nenhuma sugestão de que os cortes seriam pagos.
- A Califórnia é um laboratório para as ideias econômicas “progressistas”. Em 2022, a legislatura estadual aprovou um projeto de lei criando um conselho composto por representantes da indústria e trabalhadores de restaurantes para definir salários no setor de fast-food. Perante a ameaça de um referendo financiado pela indústria para revogar a lei, os legisladores modificaram-na para tornar obrigatório um valor mínimo por hora de US$ 20 para redes de fast food com mais de 60 restaurantes. A nova lei só entrou em vigor em abril, então é muito cedo para avaliar seu impacto. Entretanto, os relatos da imprensa estão repletos de histórias de restaurantes fechando, funcionários sendo demitidos ou tendo suas horas reduzidas, empregadores investindo em tecnologias que economizam mão de obra e aumentos substanciais de preços para o consumidor. Embora os restaurantes familiares não sejam obrigados a pagar o novo salário mínimo, previsivelmente muitos foram forçados a igualar a taxa obrigatória para manter seus funcionários, o que significa que a proteção que os legisladores pretendiam para pequenos restaurantes pode ser ilusória. É assim que as leis da economia funcionam.
- Da mesma forma, a Califórnia aprovou uma lei que obriga um valor mínimo de US$ 25 por hora para trabalhadores do setor de saúde. Porém, mais recentemente, de acordo com o The Wall Street Journal de 27 de maio, as autoridades perceberam que “custaria US$ 4 bilhões a mais por ano ao estado devido aos maiores custos do Medicaid e à remuneração para trabalhadores em instalações estatais” e, portanto, atrasaram o benefício da lei para esses trabalhadores. O que é chocante aqui é a ideia de que você não pode dar dinheiro a alguém sem recebê-lo de outra pessoa, e os contribuintes da Califórnia podem não gostar que o estado direcione mais dinheiro para os profissionais de saúde, especialmente devido ao déficit orçamentário atual.
- Se há algo em que as duas partes concordam, é “tirem as mãos da Previdência Social!” Os aposentados atuais e futuros querem receber seus pagamentos mensais e que as regras sejam mantidas como estão. Os líderes dos dois partidos concordaram com isso. Só que isso não tem como funcionar. A previdência social é um programa contributivo análogo ao seguro e funciona por meio de um fundo. Os trabalhadores pagam por meio de impostos e os aposentados recebem seus pagamentos. Entretanto, o número de aposentados recebendo benefícios vem crescendo em relação ao número de trabalhadores ativos que contribuem e, se nada for alterado, o fundo certamente se tornará insolvente por meio de um processo matemático inexorável. Há muitos fatores que poderiam ser utilizados para restaurar a saúde da Previdência Social, mas ninguém quer acioná-los, pois isso desagradaria a alguém (ou seja, desagradaria a alguns eleitores). As opções incluem (a) aumentar a alíquota de imposto da Previdência Social, (b) aumentar o limite dos rendimentos sobre os quais o imposto é pago, (c) reduzir os benefícios, (d) limitar os ajustes de custo de vida, (e) aumentar a idade de aposentadoria, (f) limitar o número de anos durante os quais os aposentados podem receber, e (g) realizar testes de eligibilidade dos beneficiários potenciais. Nenhuma delas é considerada aceitável. Todo mundo só quer receber seus cheques conforme prometido.
Não é preciso ser formado em economia para saber o que acontece quando as pessoas gastam mais do que ganham. (Somente na realidade política alguém poderia esperar um resultado diferente.) No entanto, não ouvimos uma palavra dos políticos ou autoridades eleitas sobre fazer as mudanças necessárias para evitar que o fundo da Previdência Social entre em insolvência. O governo certamente pode mudar a Previdência Social de um programa autofinanciado para um benefício financiado pelo governo e, à primeira vista, a mudança parece ser principalmente semântica. Porém, esgotar o fundo previdenciário e pagar benefícios pelo Tesouro aumentaria ainda mais o já problemático déficit, a dívida nacional e o serviço anual da dívida, aumentando ainda mais o déficit e a dívida.
Isso me leva a um tópico sobre o qual me perguntam no mundo todo: o déficit e a dívida do governo dos EUA. Eu respondo que são uma vergonha. A Oaktree tem o privilégio de administrar o dinheiro para vários países que têm fundos soberanos, não dívida nacional. Alguns países guardam suas receitas extraordinárias em um cofre, como as receitas do petróleo da Noruega ou os lucros da privatização da companhia telefônica da Austrália. E muitos outros países vivem dentro de suas possibilidades simplesmente porque precisam — eles não podem se dar ao luxo de imprimir quantidades ilimitadas de dinheiro sem precipitar uma desvalorização. No entanto, os EUA costumam ter déficits, gastando mais do que arrecadam. Nosso último superávit foi em 2000, no final do governo Clinton. Hoje, pela primeira vez, os juros anuais da nossa dívida nacional simplesmente excedem o orçamento do Departamento de Defesa. Porém, nenhum dos partidos está disposto a resolver o déficit ou defender orçamentos equilibrados. Nosso congresso raramente apresenta um orçamento, muito menos um orçamento equilibrado. Esse é um comportamento irresponsável que não toleraríamos nas nossas próprias organizações.
Os EUA agem como se tivessem um cartão de crédito sem limite e sem exigência de pagamento. Isso ocorre porque o país tem conseguido se safar até agora, e nossos governantes não têm a determinação para gastar menos do que são permitidos. Não ouvimos muito atualmente sobre a Teoria Monetária Moderna, a visão popularizada em 2020 de que “para países que controlam suas moedas, déficits e dívidas não importam”. No entanto, nosso governo ainda age como se essa teoria fosse válida.
Na década de 1930, John Maynard Keynes postulou que, quando uma economia cresce muito lentamente para gerar os empregos necessários, o governo deve aumentar os gastos para estimular a demanda, mesmo que isso signifique incorrer em déficit e financiá-lo com empréstimos. E então, quando a prosperidade e os empregos retornarem, o país deve gastar menos do que arrecada, gerando um superávit e utilizando-o para pagar a dívida. Tudo bem, exceto por essa última parte: a parte sobre superávits e pagamento de dívidas foi esquecida.
A verdade é que os déficits estimulam o crescimento econômico que a maioria das pessoas desfruta, e gastar mais do que o governo arrecada permite que os governantes doem “coisas grátis”, conquistando assim votos. Porém, fazer isso de maneira perpétua requer ignorar as leis da economia, contraindo dívidas na crença aparente de que elas nunca terão que ser pagas. Isso pode continuar sem fim? Veremos, mas acho que não.
Quais são os pontos em comum?
As ações e ações propostas descritas acima, assim como as perguntas que começam no final da página três, têm alguns elementos em comum.
- Os objetivos geralmente parecem louváveis à primeira vista: bens e serviços mais baratos e resultados mais igualitários. No entanto, considerando a maneira como as coisas funcionam na economia, elas geralmente têm consequências de segunda ordem que são incontroláveis e negativas.
- No fundo, todas elas são perguntas de “quem fica com o quê?” Não há possibilidade de o dinheiro surgir do nada; há apenas escolhas sobre quem paga e quem recebe algo. É um jogo de soma zero.
- Os objetivos geralmente são populistas, com legisladores e reguladores escolhendo vencedores e perdedores. Eles geralmente moldam suas ações como uma maneira de proteger o pequeno oprimido do grandalhão voraz. A maioria das regulamentações contra o “livre mercado” incorpora critérios de tamanho, o que significa que elas se aplicam apenas a supermercados, não a mercearias de esquina; proprietários com muitos apartamentos; instalações médicas de um determinado tamanho; e redes de restaurantes, não independentes. Neste contexto, devemos observar o que o Presidente Biden afirmou na Convenção Nacional Democrata em agosto: “Tenho orgulho de ter sido o primeiro presidente a fazer piquete e ser considerado o presidente mais pró-sindicatos da história”. Os empregados, por si só, merecem mais proteção do que os empregadores? Sem os empregadores, onde as pessoas conseguiriam empregos? De qualquer maneira, eles servem como alvos convenientes para os políticos.
- A retórica em torno dessas questões é muitas vezes assustadoramente classista e divisionista. Aqui está parte de uma nota típica que recebi de um candidato no mês passado: “Mesmo com a inflação diminuindo [sic], os preços dos alimentos ainda parecem altíssimos. Este é outro sinal de que a ganância corporativa está prejudicando… os consumidores. Os CEOs não deveriam encher os bolsos com lucros recordes enquanto as famílias lutam para colocar comida na mesa ou pagar pelos medicamentos”. Nesse tipo de ambiente, “lucro” é uma palavra suja, e “corporações gananciosas” são alvos de suspeita e regulamentação.
- Finalmente, os governantes eleitos têm o hábito de se isentar do impacto. Portanto, é interessante observar que o salário mínimo do fast-food da Califórnia não se aplica a restaurantes em instalações governamentais. Que governante quer sofrer a ira de um funcionário forçado a pagar mais pelo almoço?
Uma das características mais importantes das leis da economia é que elas se aplicam a todos. Por outro lado, tentativas de anular essas leis geralmente são projetadas para afetar algumas partes de maneira diferente de outras. Sempre que isso acontece, os responsáveis escolhem possíveis vencedores e perdedores. Esta não é uma grande ideia em uma “sociedade livre”.
Fundamentalmente, os subsídios governamentais e as regulamentações econômicas equivalem a incentivar ações que as pessoas não tomariam por conta própria. Em outras palavras, essas ações não ocorreriam em um mercado livre. Mandatos como esses devem ser examinados criticamente. Alguns podem resultar de decisões salomônicas de autoridades e do desejo por uma sociedade justa. Outros são provavelmente o resultado de um viés filosófico em favor da redistribuição. E outros ainda são apenas uma questão de ganhar a simpatia dos eleitores.
Para muitos políticos de carreira, a primeira coisa a fazer é ser eleito e reeleito. As intervenções de autoridades eleitas na economia geralmente são planejadas para atrair eleitores. Além disso, há o benefício adicional de livrar a cara das autoridades, já que elas podem redirecionar a culpa por acontecimentos politicamente indesejáveis para “maus agentes”, como corporações poderosas e proprietários gananciosos. Finalmente, as regulamentações econômicas podem fornecer resultados paliativos temporários, com os efeitos colaterais negativos surgindo apenas anos mais tarde, quando aqueles que as promulgaram já deixaram o cenário político.
Livres mercados ou controlados? Essa é a questão
Os governos não fabricam um produto, não criam valor além do custo dos insumos que utilizam ou – exceto por meio dos seus gastos – contribuem para o PIB. Eles coletam (ou imprimem) dinheiro com uma mão e distribuem dinheiro e serviços com a outra. Eles cobram impostos dos contribuintes e contraem dívidas em nome de contribuintes futuros. Posteriormente, eles pagam por programas de benefícios, salários, despesas de capital e subsídios. Fazer política é decidir quem vai pagar e quem vai receber os benefícios.
Os governos não buscam lucros, o que significa que as pessoas na administração não precisam se preocupar com eficiência. No setor corporativo, equipes de gestão que não conseguem produzir um produto que valha mais do que os insumos – ou seja, produzam lucro – não durarão muito. Porém, não se espera que os governos façam isso e, consequentemente, não há uma medida fácil para quantificar a eficácia de um governo, assim como os lucros de uma empresa.
Os governos desempenham, sim, papéis essenciais que podem não ter nada a ver com lucros ou valor agregado.
- Eles fornecem coisas que as pessoas não podem prover por si próprias, como defesa, assistência médica, serviços policiais e de bombeiros, educação, infraestrutura e resposta a emergências, tanto físicas (enchentes, tornados e pandemias) quanto econômicas (recessões e hiperinflação).
- Eles também fornecem redes de segurança para aqueles que, de outra forma, sofreriam. Há grandes diferenças de opinião sobre quanto os governos devem fazer nesse ponto, e essas diferenças estão por trás de uma das maiores divergências entre os partidos políticos dos EUA.
Além das necessidades, até onde um governo deve ir para equilibrar a renda e a qualidade de vida dos seus cidadãos? Fazer isso é uma das razões pelas quais os governos tiram de alguns para dar a outros, conforme descrito acima. Entretanto, é preciso reconhecer que cada passo nessa direção — em vez de exigir que as pessoas cuidem de si mesmas — é um passo em contravenção às forças do livre mercado, com consequências.
- Darwin descreveu a maneira na qual as espécies são fortalecidas por meio do que chamou de “sobrevivência do mais forte”. Ela funciona, e as espécies evoluem. Porém, este é, por definição, um processo impiedoso através do qual os fortes prosperam e os fracos perecem. Bom para toda a espécie, mas não para todos os membros.
- Da mesma forma, o bem-estar econômico coletivo de uma sociedade é maximizado pelo funcionamento do livre mercado. No processo, algumas pessoas se saem melhor do que outras — de preferência, mas certamente nem sempre, as mais talentosas, as mais trabalhadoras e as mais merecedoras. Somente nos sistemas mais cor-de-rosa (e malfadados) não é aceito que algumas pessoas se sairão melhor que outras. No entanto, a diferença entre os resultados aumentou muito ultimamente, e há um debate crescente sobre “o quanto melhor” é justo e aceitável.
A escolha é clara com base nas evidências fornecidas pela história: (a) eficientes economias de livre mercado com seus incentivos e resultados desiguais ou (b) economias centralizadas com seus resultados uniformes e desempenho abaixo da média. Na página dois, escrevi o seguinte:
Os incentivos fornecidos pelos livres mercados direcionam o capital e outros recursos para onde eles serão mais produtivos. Eles estimulam produtores a fabricar os produtos que as pessoas mais desejam e os trabalhadores a aceitar os empregos em que serão mais produtivos em termos de valor da sua produção. Além disso, incentivam o trabalho duro e a assunção de riscos.
Por outro lado, se os mercados se tornarem menos livres — isto é, se forem forçados a seguir decretos governamentais em vez das leis da economia:
- o capital e as matérias-primas serão direcionados para lugares diferentes daqueles onde serão mais produtivos;
- os produtores deixarão de produzir as coisas que as pessoas mais desejam e, em vez disso, produzirão coisas que o governo acha que as pessoas deveriam ter;
- os trabalhadores serão designados para trabalhar onde produzirão menos do que poderiam; e
- o trabalho duro e assunção de riscos não ocorrerão tanto, já que as recompensas por fazer essas coisas serão limitadas e, em alguns casos, redirecionadas para pessoas que não fizeram o trabalho ou assumiram o risco, mas que aqueles no controle consideram merecedoras.
Incentivos e livres mercados são essenciais para uma economia que funcione bem, mas sua existência garante que alguns membros da economia terão melhor desempenho do que outros. Não é possível ter um sem o outro.
China
Neste ponto você pode perguntar: “Mas e a China? A economia chinesa não está livre para operar de acordo com as leis da economia, mas está indo bem”. Pensamos na China como um “país comunista”, repleto de empresas estatais, política industrial e planos quinquenais. No entanto, o PIB da China cresceu quase 9% ao ano nos últimos 45 anos e, em 2010, o país tornou-se a segunda maior economia do mundo. Como isso pode ser possível?
A verdade é que grande parte do sucesso econômico da China é atribuível a um setor privado vibrante. Visito a China há quase 20 anos e, especialmente durante minhas primeiras visitas, tive dificuldade em entender a lógica que permite a coexistência da ideologia coletivista com a iniciativa privada. Certamente, esses são “companheiros de cama estranhos”. Uma visita a Xiamen, na China, no início deste mês para a Feira Internacional de Investimentos e Comércio da China me lembrou desse enigma. Independentemente da explicação, o fato é que a economia chinesa depende fortemente do setor privado dinâmico. No verão de 2022, Edward Cunningham, da Harvard Kennedy School, usou uma formulação popular para descrevê-lo:
O setor privado da China é frequentemente resumido com uma combinação de quatro números: 60/80/70/1990. As empresas privadas contribuem com 60% do PIB da China, 70% da sua capacidade de inovação, 80% dos seus empregos urbanos e 90% dos novos empregos.
E o governo reconhece isso. Em 13 de março de 2023, a CNN noticiou uma declaração do Premier chinês Li Qiang:
“Por um período no ano passado, houve algumas discussões e comentários incorretos na sociedade, o que deixou alguns empreendedores do setor privado preocupados”, afirmou Li na segunda-feira. “A partir de um novo ponto de partida, criaremos um ambiente de negócios orientado para o mercado, legalizado e internacionalizado, trataremos empresas de todos os tipos de propriedade igualmente, protegeremos os direitos de propriedade das empresas e os direitos e interesses dos empreendedores”.
Certamente, isso representa um triunfo do pragmatismo sobre a pureza ideológica. Este é um exemplo claro de acomodação à realidade econômica em vez de tentar sobrepor-se a ela.
* * *
Meu primeiro passo para entender o funcionamento dos vários sistemas econômicos começou no ensino médio, no final da década de 1950, quando li o livro de George Orwell A revolução dos bichos. Orwell escreveu isso em 1945 como uma crítica, pouco velada, à Rússia e ao comunismo/socialismo. Aquele livro me ensinou a maior parte do que eu precisava saber sobre livres mercados versus economias centralizadas. Se você não leu este livro, ou se leu há tanto tempo que não consegue lembrar o que ele diz, sugiro que você o pegue.
Na alegoria de A revolução dos bichos, os animais assumiram a administração da fazenda. Para mim, a lição principal emana do lema que pintaram na parede do celeiro, emprestado de Karl Marx: “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”.
Que declaração idealista! Seria ótimo se todos produzissem o máximo que pudessem, com os membros mais capazes da sociedade produzindo mais. E seria ótimo se todos tivessem o que precisam, com os mais necessitados recebendo mais. Porém, como os animais da fazenda logo aprenderam, se os trabalhadores só conseguem ficar com o que precisam, não há incentivo para que os mais capazes entre eles façam o esforço adicional necessário para produzir um excedente para suprir as necessidades dos menos capazes. O grande desafio é, certamente, encontrar o equilíbrio adequado: tirar o suficiente dos bem-sucedidos na forma de impostos para financiar serviços, programas governamentais e transferências de riqueza, sem prejudicar seu incentivo ao trabalho ou incentivá-los a buscar jurisdições de baixa tributação.
O que discuto acima são os fatos econômicos da vida, e algumas de suas ramificações podem ser menos que ideais. Porém, os desejos dos idealistas não governam as economias; essas realidades sim. As principais delas são o poder dos incentivos e a influência da oferta e da demanda. As regras devem ser respeitadas; elas não podem ser ignoradas, apenas desejar que elas não existam ou sobrepostas sem consequências.
Qualquer pessoa que pense que é melhor viver em uma economia de palnejamento central que prefere benefícios distribuídos uniformemente em vez de livres mercados não estudou história (ou não leu A revolução dos bichos). Isso pode parecer bom na teoria, mas nunca funcionou. As leis da economia sempre vencerão no final. As nações podem respeitá-las e colher os benefícios associados, ou tentar infringi-las e pagar o preço em termos de baixo desempenho. No mundo da política, pode haver benefícios ilimitados e algo para todos. Mas na economia só há tradeoffs.
19 de setembro de 2024