Nós frequentemente conseguimos entender melhor algo que nos interessa por meio de analogias que esclarecem o assunto, estabelecendo conexões entre ele e outras partes da vida. É por isso que escrevi um memorando comparando os investimentos ao esporte em cada uma das quatro décadas em que venho redigindo memorandos, bem como um memorando correlacionando os investimentos aos jogos de cartas em 2020.
A motivação para este memorando vem de um artigo do The Wall Street Journal de 12 de abril que meu sócio Bruce Karsh me enviou, intitulado “Chess Teaches the Power of Sacrifice” (O xadrez ensina o poder do sacrifício), de Maurice Ashley, um Grande Mestre de xadrez que foi incluído no Hall da Fama do Xadrez dos EUA. Poucas pessoas sabem que Bruce é um jogador de xadrez, e eu não pensava sobre isso há anos, mas o artigo serviu como um bom lembrete e me levou a rabiscar este memorando.
Como fica óbvio pelo título, o artigo aborda principalmente o papel do sacrifício. Ashley afirma: “Muitas posições não podem ser ganhas ou defendidas sem que algo de valor seja dado em troca, de um humilde peão à poderosa rainha”. Perder uma peça intencionalmente como parte do plano de jogo é o sacrifício ao qual Ashley se refere.
- Ele descreve alguns sacrifícios como “farsas” (um termo cunhado pelo mestre de xadrez Rudolf Spielmann no seu livro The Art of Sacrifice in Chess) onde “… podemos ver facilmente que a peça sacrificada trará benefícios concretos que podem ser calculados claramente”.
- Outros são considerados sacrifícios “reais”, onde “… sacrificar uma peça oferece ganhos que não são imediatos e nem tangíveis. O retorno sobre o investimento pode ser controlar mais espaço, criar um ponto fraco atacável na posição do adversário ou ter mais peças no setor crítico de ataque”.A analogia com os investimentos começa a ficar clara. Comprar um título do Tesouro dos EUA de 10 anos é um sacrifício modesto ou “farsa”. Você abdica de usar seu dinheiro por dez anos, mas isso é apenas um custo de oportunidade, e aceitá-lo traz a certeza do rendimento de juros. A maioria dos outros investimentos envolve sacrifícios reais, onde o risco de perda é suportado na busca de “ganhos que não são imediatos e nem tangíveis”.
Ashley continua falando de sacrifício em termos de risco/retorno que são familiares para os investidores. Ele descreve a decisão de sua mãe de deixá-lo (aos dois anos) e seus dois irmãos na Jamaica e viajar para os EUA em busca de uma vida melhor para ela e seus filhos. Ela atingiu seu objetivo uma década mais tarde e conseguiu trazer seus filhos para os EUA, onde eles encontrariam sucesso em diversas áreas:
As coisas não necessariamente aconteceriam assim. Isso ocorreu porque ela estava disposta a tolerar o aspecto principal de fazer sacrifícios reais: a disposição para assumir riscos. Para um jogador de xadrez, o risco é tão intuído quanto calculado. Em função da complexidade inerente ao jogo, é virtualmente impossível avaliar com certeza se uma jogada arriscada trará resultados no final. Cabe ao jogador decidir se condições suficientes foram reunidas para tentar uma jogada arriscada…
Porém, o que sabemos é que o famoso ditado “Sem risco não há recompensa” é verdadeiro em muitos casos. Um adversário habilidoso normalmente consegue enfrentar um jogo sólido e conservador e, portanto, é capaz de nos roubar oportunidades que possam ser inerentes à nossa posição. Como Magnus Carlsen [pentacampeão mundial de xadrez] afirmou: “Não estar disposto a correr riscos é uma estratégia extremamente arriscada”. (Ênfase adicionada)
E aí está: a indispensabilidade do risco.
O risco de não assumir riscos
Considerando que o futuro é inerentemente incerto, normalmente temos que escolher entre (a) evitar o risco e obter pouco ou nenhum retorno, (b) assumir um risco modesto e nos contentar com um retorno proporcionalmente modesto, ou (c) assumir um alto nível de incerteza na busca de ganhos substanciais, mas aceitando a possibilidade de perdas permanentes relevantes. Todos adorariam ter a oportunidade de obter grandes ganhos com pouco risco, mas a “eficiência” do mercado – ou seja, o fato de os outros participantes no mercado não serem tolos – normalmente exclui esta possibilidade.
A maioria dos investidores consegue obter o item “a” e a maior parte do “b”. O desafio de investir está na busca de alguma versão do “c”. Obter altos retornos – em termos absolutos ou relativos a outros investidores em um mercado – exige que você assuma um risco significativo – seja a possibilidade de perda na busca de ganhos absolutos ou a possibilidade de desempenho inferior ao mercado na busca de um desempenho superior ao mercado. Em cada caso, os dois são inseparáveis. Como diz Ashley, sem risco não há recompensa. No pain, no gain.
O risco inerente a não assumir riscos suficientes é muito real. Os investidores individuais que evitam o risco podem acabar com um retorno insuficiente para arcar com o seu custo de vida. E os investidores profissionais que assumem muito pouco risco podem não conseguir acompanhar as expectativas dos seus clientes ou seus benchmarks.
Assim como o xadrez (e a maioria dos jogos de cartas), o gamão exige o cálculo de quando correr riscos e quando evitá-los. No gamão, dois jogadores movem suas peças pelo tabuleiro com base no lançamento de um par de dados. Um jogador move-se no sentido horário e o outro no sentido anti-horário. Quando as peças dos jogadores se aproximam, o jogador que está se movendo com frequência tem a opção entre (a) colocar sua peça sobre uma das peças do outro jogador, enviando-a de volta para o início (mas correndo o risco de deixar a peça em movimento em uma posição vulnerável), e (b) evitar fazer isso para garantir a segurança. Ninguém quer ficar exposto e ser atingido. No entanto, a maioria dos iniciantes joga com segurança demais e, como colocam tanta ênfase em evitar serem atingidos, raramente vencem.
Lições relevantes dos esportes (incluídas em memorandos anteriores) são compreendidas facilmente e muito úteis:
- “Você erra 100% dos arremessos que não tenta” – Wayne Gretzky, membro do Hall da Fama da NHL
- “Você precisa se dar uma chance de errar”. – Kenny “The Jet” Smith, duas vezes campeão da NBA
Resumirei com um parágrafo do meu memorando de setembro passado, Menos perdedores ou mais vencedores? A frase final diz muito sobre sacrifício e risco:
… não ter perdedores não é um objetivo útil. A única maneira segura de conseguir isso é não correr nenhum risco. Porém … é provável que evitar riscos resulte em evitar retornos. Existe o risco de correr muito pouco risco. A maioria das pessoas entende isso intelectualmente, mas a natureza humana torna difícil para muitas pessoas aceitarem a ideia de que a capacidade de conviver com algumas perdas é um ingrediente essencial para o sucesso dos investimentos.
Como pensar sobre a assunção de riscos
O paradoxo de assumir riscos é inevitável. Você precisa disso para ter sucesso em ambientes competitivos e de alta aspiração. Porém, aceitá-lo não significa que você terá sucesso; é por isso que chamam isso de risco.
Igualmente paradoxal, obter uma alta taxa de retorno durante um longo período não tem necessariamente – e normalmente isso não ocorre – que conotar um histórico de sucessos consistentes. Mais frequentemente, isso é resultado de ter feito muitos investimentos bem fundamentados, alguns dos quais funcionaram bem. Veja como descrevi a base do sucesso da Berkshire Hathaway em Menos perdedores ou mais vencedores?:
Acredito que os ingredientes do excelente desempenho de Warren [Buffett] e Charlie [Munger] são simples: (a) muitos investimentos em que tiveram um desempenho decente, (b) um número relativamente pequeno de grandes vencedores nos quais eles investiram pesadamente e mantiveram durante décadas, e (c) relativamente poucos grandes perdedores. Ninguém deve esperar ter – ou esperar que os seus gestores tenham – todos os grandes vencedores e nenhum perdedor.
Os investidores devem aceitar que o sucesso provavelmente será fruto da realização de muitos investimentos, todos os quais você faz porque espera que tenham sucesso, mas parte deles você sabe que não terá. Você tem que colocar tudo para fora. Tem que tentar. Nem todos os esforços serão recompensados com altos retornos, mas esperamos que ao menos o suficiente para gerar sucesso no longo prazo. Esse sucesso será, em última análise, uma função da proporção entre sucessos e fracassos e da magnitude das perdas em relação aos ganhos. No entanto, é pouco provável que a recusa em assumir riscos neste processo o leve onde você deseja.
Vou concluir com outro bom parágrafo de Ashley:
Arriscar não significa que haverá um resultado positivo, nem exige isso. Se as razões forem sólidas, o risco deve ser assumido quase reflexivamente. Quanto mais confiamos no nosso julgamento, mais confiança adquirimos na nossa capacidade de tomada de decisão. A coragem de assumir riscos torna-se um fim em si mesmo que vale a pena.
O resultado na busca por retornos superiores é claro: Você não deve esperar ganhar dinheiro sem assumir riscos, mas também não deve esperar ganhar dinheiro apenas por assumir riscos. Você tem que sacrificar a certeza, mas isso precisa ser feito com habilidade e inteligência, e com a emoção sob controle.
17 de abril de 2024
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