Memorando para: Clientes Oaktree
De: Howard Marks
Ref: Mudança Radical(sea change)
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mudança radical (idioma): uma transformação completa, uma mudança radical de direção na atitude, objetivos… (Grammarist)
Nos meus 53 anos no mundo dos investimentos, vi vários ciclos econômicos, oscilações, manias e pânicos, bolhas e crashes, mas me lembro de apenas duas mudanças radicais reais. Acho que podemos estar no meio de uma terceira atualmente.
Como já contei muitas vezes nos meus memorandos, quando entrei para a indústria de gestão de investimentos em 1969, muitos bancos – como aquele para o qual eu trabalhava na época – concentravam suas carteiras de ações nas chamadas “Nifty Fifty”. As Nifty Fifty compreendiam as ações de empresas consideradas as melhores e de crescimento mais rápido – tão boas que nada de ruim poderia acontecer com elas. Para essas ações, todos tinham certeza de que “não havia preço alto demais”. Porém, se você comprou as Nifty Fifty quando comecei no banco e as manteve até 1974, registrava perdas de mais de 90%… por manter ações das melhores empresas da América. Descobriu-se que a qualidade percebida não era sinônimo de segurança ou de um investimento bem-sucedido.
Enquanto isso, no mercado de títulos (bonds), um ativo com classificação B foi descrito pela Moody’s como “não oferecendo as características de um investimento desejável”. Os títulos sem grau de investimento – aqueles classificados como BB e abaixo – estavam fora dos limites dos fiduciários, uma vez que o comportamento financeiro adequado exigia a prevenção de riscos. Por esse motivo, o que logo ficou conhecido como títulos de high yield não podia ser vendido em emissões primárias. Porém, em meados da década de 1970, Michael Milken e alguns outros tiveram a ideia de que deveria ser possível emitir títulos sem grau de investimento – e investir neles com prudência – se estes títulos oferecessem juros suficientes para compensar o risco de inadimplência. Em 1978, comecei a investir nesses títulos – os títulos das empresas de capital aberto talvez mais arriscadas da América – e estava ganhando dinheiro de maneira constante e segura.
Em outras palavras, enquanto o investimento prudente em bonds anteriormente consistia em comprar somente títulos presumivelmente seguros com grau de investimento, os gestores de investimento agora podiam prudentemente comprar títulos de praticamente qualquer qualidade, desde que fossem adequadamente compensados pelo risco correspondente. O universo de títulos de high yield dos EUA totalizava cerca de US$ 2 bilhões quando me envolvi pela primeira vez com eles, e atualmente está em cerca de US$ 1,2 trilhão.
Isso representou claramente uma grande mudança de direção para o negócio de investimentos. Mas isso não é tudo. Antes da liberação de emissões de títulos de high yield, as empresas só podiam ser adquiridas por companhias maiores – aquelas que podiam pagar com dinheiro em mãos ou tomar emprestado grandes quantias de dinheiro e ainda manter suas classificações de grau de investimento. Porém, com a capacidade de emitir títulos de high yield, as empresas menores agora podiam adquirir empresas maiores usando alavancagem pesada, já que não havia mais a necessidade de possuir ou manter uma classificação de grau de investimento. Essa mudança permitiu, particularmente, o crescimento das aquisições alavancadas e do que hoje chamamos de setor de private equity.
No entanto, o aspecto mais importante desta mudança não se relaciona com os títulos de high yield e nem com private equity, mas sim com a adopção de uma nova mentalidade do investidor. Agora, o risco não era necessariamente evitado, mas considerado relativo ao retorno e, espera-se, administrado de maneira inteligente. Essa nova mentalidade de risco/retorno foi fundamental no desenvolvimento de muitos novos tipos de investimento, como dívidas de emissores em dificuldades financeiras (distressed debts), títulos garantidos por hipotecas (mortgage backed securities), crédito estruturado e empréstimos privados. Não é exagero afirmar que o mundo dos investimentos atual praticamente não tem nenhuma semelhança com o de 50 anos atrás. Os jovens que ingressam no setor hoje provavelmente ficariam chocados ao saber que, naquela época, os investidores não pensavam em termos de risco/retorno. Agora isso é tudo o que fazemos. Portanto, houve uma mudança radical.
Mais ou menos ao mesmo tempo, grandes mudanças estavam ocorrendo no mundo macroeconômico. Acho que tudo começou com o embargo de petróleo da OPEP de 1973-74, que fez com que o preço do barril de petróleo saltasse de cerca de US$ 24 para quase US$ 65 em menos de um ano. Esse salto elevou o custo de muitos bens e provocou uma inflação rápida. Como o setor privado dos EUA na década de 1970 era muito mais sindicalizado do que atualmente e muitos acordos coletivos continham ajustes automáticos de custo de vida, o aumento da inflação desencadeou aumentos salariais, que exacerbaram a inflação e levaram a ainda mais aumentos salariais. Esta espiral ascendente aparentemente incontrolável acendeu fortes expectativas inflacionárias, que em muitos casos se tornaram autorrealizáveis, como é de sua natureza.
O aumento acumulado no Índice de Preços ao Consumidor, que era de 3,2% em 1972, subiu para 11,0% em 1974, recuou para a faixa de 6-9% por quatro anos e depois voltou para 11,4% em 1979 e 13,5 % em 1980. Houve um grande desespero, pois nenhum alívio foi obtido das ferramentas de combate à inflação, desde botões WIN (“Whip Inflation Now”), passando por controles de preços e uma taxa de juros do mercado interbancário nos Estados Unidos que atingiu 13% em 1974. Foi necessária a nomeação de Paul Volcker como presidente do Fed em 1979 e a determinação que ele demonstrou em aumentar a taxa dos fed funds para 20% em 1980 para controlar a inflação e extinguir a psicologia inflacionária. Consequentemente, a inflação voltou a cair para 3,2% no final de 1983.
O sucesso de Volcker em controlar a inflação permitiu ao Fed reduzir a taxa de juros do mercado interbancário nos Estados Unidos para menos de 10% e mantê-la nesse patamar durante o resto da década de 1980, antes de cair para próximo a 5% nos anos 1990. Suas ações deram início a um ambiente de queda nas taxas de juros que prevaleceu por quatro décadas (muito mais sobre isso na seção a seguir). Considero esta a segunda mudança radical que vi na minha carreira.
A queda de longo prazo nas taxas de juros começou apenas alguns anos após o advento da mentalidade de risco/retorno, e vejo a combinação dos dois como tendo dado origem (a) ao renascimento do otimismo entre os investidores, (b) à busca do lucro por meio de veículos de investimento agressivos e (c) a incríveis quatro décadas para o mercado de ações. O índice S&P 500 subiu de um mínimo de 102 em agosto de 1982 para 4.796 no início de 2022, atingindo um retorno anual composto de 10,3% ao ano. Que período! Não pode haver maior sorte financeira e na carreira de investimentos do que ter participado dele.
Um vento de cauda incrível
Quais são os fatores que deram origem ao sucesso dos investidores nos últimos 40 anos? Vimos contribuições importantes (a) do crescimento econômico e da proeminência dos EUA; (b) do incrível desempenho das nossas maiores empresas; (c) dos ganhos em tecnologia, produtividade e técnicas de gestão; e (d) dos benefícios da globalização. No entanto, eu ficaria surpreso se 40 anos de taxas de juros em queda não desempenhassem o papel principal.
Na década de 1970, obtive um empréstimo de um banco de Chicago, com uma taxa de juros de “três quartos acima da taxa de empréstimo prime”. (Não ouvimos mais falar muito sobre a taxa prime, mas era a taxa de juros de referência – a predecessora da LIBOR – à qual os grandes bancos emprestavam para os seus melhores clientes.) Recebia um aviso do banco toda vez que a minha taxa mudava, e enquadrei aquela que marcou o ponto alto em dezembro de 1980: Ele me disse que a taxa de juros do meu empréstimo havia subido para 22,25%! Quatro décadas mais tarde, consegui tomar empréstimos por uma taxa fixa de 2,25% para 10 anos. Isso representou uma queda de 2.000 pontos-base. Milagroso!
Quais são os efeitos da queda das taxas de juros?
- Ela acelera o crescimento da economia, tornando mais barato para os consumidores comprar a crédito e para as empresas investirem em instalações, equipamentos e estoques.
- Ela fornece um subsídio aos tomadores de empréstimos (às custas dos credores e poupadores).
- Ela reduz o custo de capital das empresas e, dessa forma, aumenta sua lucratividade.
- Ela aumenta o valor justo dos ativos. (O valor teórico de um ativo é definido como o valor presente descontado dos seus fluxos de caixa futuros. Quanto menor a taxa de desconto, maior o valor presente.) Portanto, conforme as taxas de juros caem, os parâmetros de avaliação, como os índices P/L e valores das empresas, aumentam e as taxas de juros dos ativos imobiliários diminuem.
- Ela reduz os retornos esperados que os investidores exigem dos investimentos que estão considerando, aumentando assim os preços que pagarão. Isso pode ser visto mais diretamente no mercado de renda fixa – todos sabem que “quando as taxas caem, os preços sobem” – mas funciona em todo o mundo dos investimentos.
- Ao elevar os preços dos ativos, criam um “efeito de riqueza” que faz as pessoas se sentirem mais ricas e, portanto, mais dispostas a gastar.
- Finalmente, ao aumentar simultaneamente os valores dos ativos e reduzir os custos dos empréstimos, as taxas de juros baixas geram uma bonança para aqueles que compram ativos usando alavancagem.
Gostaria de dedicar mais tempo a esse último ponto. Pense em um comprador que utiliza a alavancagem em um ambiente de taxas decrescentes:
- Ele analisa uma empresa, conclui que pode ganhar 10% ao ano com ela e decide comprá-la.
- Em seguida, ele pergunta a seu head de mercados de capitais quanto custaria tomar 75% do dinheiro emprestado. Quando ele afirma que é 8%, tudo está a pleno vapor. Ganhar 10% sobre três quartos do capital emprestado a 8% aumentaria o retorno sobre o outro quarto (seu capital) para 16%.
- Os bancos concorrem para conceder o empréstimo, e o resultado é uma taxa de juros de 7% em vez de 8%, tornando o investimento ainda mais lucrativo (retorno alavancado de 19%).
- O custo dos juros da sua dívida com taxa pós-fixada diminui com o tempo e, quando sua dívida de taxa fixa vence, ele descobre que pode rolá-la a 5%. Agora o negócio é um home run (um retorno alavancado de 25%, mantendo todas as demais variáveis constantes).
Essa narrativa ignora o impacto benéfico da queda das taxas de juros tanto na lucratividade da empresa que ele comprou quanto no valor de mercado dessa empresa. É de se admirar que o private equity e outras estratégias alavancadas tenham obtido grande sucesso nos últimos 40 anos?
Em uma visita recente a clientes, criei algumas imagens para transmitir minha visão sobre o efeito da queda prolongada das taxas de juros: Em alguns aeroportos, há uma esteira rolante, e ficar sobre ela facilita a vida do viajante cansado. Mas se, em vez de ficar parado nela, se você caminhar no seu ritmo normal, você avança rapidamente. Isso porque sua taxa de deslocamento sobre o solo é a soma da velocidade com que você está andando mais a velocidade com que a passarela está se movendo.
Acho que foi isso que aconteceu com os investidores nos últimos 40 anos. Eles aproveitaram o crescimento da economia e das empresas em que investiram, bem como o consequente aumento do valor de suas participações. No entanto, além disso, estavam em uma esteira rolante, levados pela queda das taxas de juros. Os resultados foram ótimos, mas duvido que muitas pessoas entendam completamente de onde vieram. Parece-me que uma parcela significativa de todo o dinheiro que os investidores ganharam nesse período resultou dos ventos favoráveis gerados pela queda maciça das taxas de juros. Considero praticamente impossível exagerar a influência das taxas decrescentes nas últimas quatro décadas.
A experiência recente
O período entre o fim da Crise Financeira Global no final de 2009 e o início da pandemia no início de 2020 foi marcado por taxas de juros extremamente baixas, e o ambiente macroeconômico – e seus efeitos – foram muito atípicos.
O menor nível histórico nas taxas de juros foi atingido quando o Fed cortou a taxa dos fed funds para aproximadamente zero no final de 2008 em um esforço para tirar a economia da Crise Financeira Global. As taxas baixas foram acompanhadas pelo quantitative easing: a compra de títulos pelo Fed para injetar liquidez na economia (e talvez para evitar que os investidores entrassem em pânico). Os efeitos foram dramáticos:
- As baixas taxas e a grande liquidez estimularam a economia e desencadearam ganhos explosivos nos mercados.
- Um forte crescimento econômico e custos de juros mais baixos contribuíram para os lucros corporativos.
- Os parâmetros de valuation subiram, conforme descrito acima, elevando os preços dos ativos. As ações subiram sem parar por mais de dez anos, exceto por alguns períodos de queda que duraram alguns meses. Do menor nível de 667 em março de 2009, o S&P 500 atingiu um nível recorde histórico de 3.386 em fevereiro de 2020, atingindo um retorno composto de 16% ao ano.
- A força dos mercados encorajou os investidores a abandonar sua aversão ao risco inspirada pela crise e voltar a assumir riscos muito antes do esperado. Isso também tornou o FOMO – the fear of missing out – a emoção predominante entre os investidores. Os compradores estavam ansiosos para comprar e os proprietários de ações não estavam motivados a vender.
- O renascimento do apetite de compra dos investidores fez com que os mercados de capitais reabrissem, tornando mais barato e fácil para as empresas obterem financiamento. A ânsia dos financiadores de colocar o dinheiro para trabalhar permitiu que os mutuários pagassem taxas de juros baixas com base em uma documentação menos restritiva que reduzia as proteções dos credores.
- Os rendimentos insignificantes de investimentos seguros levaram os investidores a comprar ativos mais arriscados.
- Graças ao crescimento econômico e à ampla liquidez, houve poucas inadimplências e falências.
- As principais influências exógenas foram a globalização crescente e a extensão limitada dos conflitos armados em todo o mundo. As duas influências foram claramente salutares.
Consequentemente, nesse período, os EUA desfrutaram da sua mais longa recuperação econômica da história (embora também uma das mais lentas) e do seu mais longo bull market, ambos com mais de dez anos.
Quando a pandemia da Covid-19 provocou o fechamento de grande parte da economia mundial, o Fed reeditou o plano de resgate que havia levado meses para ser formulado e implementado durante a Crise Financeira Global e o colocou em prática em questão de semanas em uma escala muito maior do que sua versão anterior. O governo dos Estados Unidos atuou com empréstimos e enormes pagamentos de ajuda (além dos seus habituais gastos deficitários). O resultado no período de março de 2020 até o final de 2021 foi uma repetição completa dos acontecimentos pós-Crise Financeira Global enumerados acima, incluindo uma rápida recuperação econômica e uma recuperação ainda mais rápida do mercado. (O S&P 500 subiu da sua mínima de 2.237 em março de 2020 para 4.796 no primeiro dia de 2022, alta de 114% em menos de dois anos.)
Pelo que parece ter sido uma eternidade – de outubro de 2012 a fevereiro de 2020 – minha apresentação padrão foi intitulada “Investindo em um mundo de baixo retorno”, pois essas eram as nossas circunstâncias. Com os retornos prospectivos de muitas classes de ativos – especialmente de crédito – em valores mínimos históricos, enumerei as principais opções disponíveis para os investidores:
- invista como antes e aceite que seus retornos serão menores do que costumavam ser;
- reduza o risco para se preparar para uma correção de mercado e aceite um retorno ainda menor;
- mantenha o caixa e obtenha um retorno nulo, esperando que o mercado caia e, assim, ofereça retornos mais altos (e faça isso logo); ou
- aumente seu risco em busca de retornos mais altos.
Cada uma dessas escolhas tinha falhas sérias, e há uma boa razão para isso. Por definição, é difícil obter bons retornos de maneira confiável e segura em um mundo de baixo retorno.
Leitores frequentes dos meus memorandos sabem que minhas observações sobre o ambiente de investimento baseiam-se principalmente em impressões e inferências, e não em dados. Dessa forma, nas últimas reuniões, venho utilizando a seguinte lista de propriedades para descrever o período em questão. (Pense se você concorda com esta descrição. Voltarei a ela mais tarde.)
2009 a 2021 | |
Comportamento do Fed | Altamente estimulante |
Inflação | Dormente |
Perspectivas econômicas | Positivas |
Probabilidade de dificuldades | Mínima |
Humor | Otimista |
Compradores | Ansiosos |
Proprietários de ações | Complacentes |
Principal preocupação | FOMO |
Aversão ao risco | Ausente |
Janela de crédito | Bem aberta |
Financiamento | Abundante |
Taxa de juros | A mais baixa de todos os tempos |
Spreads | Modestos |
Retornos potenciais | Os menores da história |
O período geral de 2009 a 2021 (com exceção de alguns meses de 2020) foi marcado pelo otimismo que prevaleceu entre os investidores e as preocupações foram mínimas. A inflação baixa permitiu que os bancos centrais mantivessem políticas monetárias generosas. Foram períodos dourados para as corporações e proprietários de ativos, graças ao bom crescimento econômico, capital barato e facilmente acessível e ausência de problemas. Este era um mercado de proprietários de ativos e de tomadores de empréstimos. Com a taxa livre de risco em zero, o medo da perda ausente e as pessoas ansiosas para fazer investimentos arriscados, este foi um período frustrante para financiadores e caçadores de barganhas.
Em visitas recentes a clientes, descrevi a Oaktree como tendo passado os anos de 2009 a 2019 “no deserto”, devido ao nosso foco no crédito e nossa forte ênfase no value investing e controle de risco. Para ilustrar, depois de montar o nosso maior fundo até aquela época em 2007-08 e colocar a maior parte dele para trabalhar com muito sucesso após a falência do Lehman Brothers, achamos apropriado, considerando o ambiente de investimentos, reduzir o valor da captação pela metade para seu fundo sucessor e reduzi-lo novamente pela metade para o fundo seguinte. O total de ativos sob gestão da Oaktree cresceu relativamente pouco durante esse período, e os retornos da maioria dos nossos fundos fechados, embora bons, foram moderados para os nossos padrões. Parecia um esforço longo e extenuante.
Isso foi antes. Isso é agora.
Claro, tudo isso mudou esse ano. Principalmente, a inflação começou a aumentar no início de 2021, quando a saída do isolamento permitiu muito dinheiro (poupanças acumuladas por pessoas reclusas em casa, incluindo distribuições de enormes programas de alívio da Covid-19) para poucos bens e serviços (com a oferta prejudicada pelo reinício desigual da produção e transporte). Como o Fed considerou a inflação “transitória”, ele continuou suas políticas de juros baixos e quantitative easing, mantendo o dinheiro disponível. Essas políticas estimularam ainda mais a demanda (especialmente por habitação) em um momento em que ela não precisava ser estimulada.
A inflação piorou ao longo de 2021 e, no final do ano, o Fed reconheceu que provavelmente ela não seria de curta duração. Dessa forma, o Fed começou a reduzir suas compras de títulos em novembro e a aumentar as taxas de juros em março de 2022, dando início a um dos ciclos de aumento de juros mais rápidos já registrados. O mercado de ações, que havia ignorado a inflação e o aumento das taxas de juros durante a maior parte de 2021, começou a cair por volta do final do ano.
A partir daí, os eventos seguiram um curso previsível. Como escrevi no memorando No sofá (janeiro de 2016), enquanto os eventos no mundo real flutuam entre “muito bons” e “não tão bons”, o sentimento do investidor frequentemente oscila de “infalível” a “desesperado”, pois eventos que antes eram vistos como benignos passam a ser interpretados como catastróficos.
- As taxas de juros mais altas levaram a maiores retornos exigidos. Assim, as ações que pareciam ter um valor adequado quando as taxas de juros eram mínimas caíram para índices P/L mais baixos, compatíveis com taxas mais altas.
- Da mesma forma, o grande aumento das taxas de juros teve seu efeito negativo sobre os preços dos bonds.
- A queda nos preços das ações e bonds fez com que o FOMO secasse e o medo de perdas o substituísse.
- A queda dos mercados ganhou força, e as coisas que tiveram o melhor desempenho em 2020 e 2021 (tecnologia, software, SPACs e criptomoedas) atualmente apresentam o pior desempenho, piorando ainda mais a psicologia.
- Eventos exógenos têm a capacidade de minar o humor do mercado, especialmente em períodos mais difíceis, e em 2022, o maior desses eventos foi a invasão da Ucrânia pela Rússia.
- O conflito na Ucrânia reduziu a oferta de grãos e petróleo e gás, aumentando as pressões inflacionárias.
- Uma vez que políticas monetárias mais restritivas foram projetadas para desacelerar a economia, os investidores se concentraram na dificuldade que o Fed provavelmente teria em realizar um pouso suave e, portanto, na forte probabilidade de uma recessão.
- A antecipação do efeito dessa recessão sobre os lucros desanimou os investidores. Assim, a queda do S&P 500 nos primeiros nove meses de 2022 rivalizou com as maiores quedas anuais do último século. (Ele já se recuperou um pouco.)
- A expectativa de uma recessão também aumentou o medo do aumento das inadimplências das dívidas.
- Novas emissões de títulos tornaram-se difíceis.
- Tendo se comprometido a financiar aquisições em um ambiente de taxas de juros mais baixas, os bancos se viram com muitos bilhões de dólares em empréstimos-ponte “pendurados” que não podiam ser vendidos no mesmo nível. Esses empréstimos sobrecarregaram os bancos com grandes perdas.
- Esses empréstimos suspensos forçaram os bancos a reduzir os valores que poderiam comprometer em novos negócios, tornando mais difícil para os compradores financiar aquisições.
A progressão dos eventos descritos acima fez com que o pessimismo tomasse o lugar do otimismo. O mercado caracterizado pelo dinheiro fácil e tomadores de empréstimos e proprietários de ativos otimistas desapareceu; agora os credores e compradores tinham opções melhores. Os investidores de crédito tornaram-se capazes de exigir retornos mais altos e proteções melhores dos credores. A lista de candidatos a enfrentar dificuldades – empréstimos e títulos que oferecem spreads de mais de 1.000 pontos-base sobre os títulos do Tesouro americano – cresceu de dezenas para centenas. Aqui está como a mudança no ambiente se parece para mim:
2009 a 2021 | Atualmente | |
Comportamento do Fed | Altamente estimulante | Aperto |
Inflação | Dormente | Maior nível em 40 anos |
Perspectivas econômicas | Positivas | Provável recessão |
Probabilidade de dificuldades | Mínima | Crescente |
Humor | Otimista | Reservado |
Compradores | Ansiosos | Hesitantes |
Proprietários de ações | Complacentes | Incertos |
Principal preocupação | FOMO | Prejuízos nos investimentos |
Aversão ao risco | Ausente | Crescente |
Janela de crédito | Bem aberta | Restrita |
Financiamento | Abundante | Escasso |
Taxa de juros | A mais baixa de todos os tempos | Mais normal |
Spreads de rendimento | Modestos | Normais |
Retornos potenciais | A mais baixa de todos os tempos | Mais do que suficiente |
Se a coluna da direita descreve com precisão o novo ambiente, conforme acredito, estamos testemunhando uma reversão completa das condições na coluna do meio, que prevaleceram em 2021 e no final de 2020, durante o período de 2009-19, e durante grande parte dos últimos 40 anos.
Como essa mudança se manifestou nas opções de investimento? Aqui está um exemplo: No mundo de baixo retorno de apenas um ano atrás, os títulos de high yield ofereciam rendimentos de 4-5%. Muitas emissões tiveram rendimentos na casa dos 3 e pelo menos um novo título chegou ao mercado com um “carrego” de 2. A utilidade desses títulos para instituições que precisam de retornos de 6 ou 7% era muito limitada. Hoje, esses títulos rendem cerca de 8%, o que significa que, mesmo depois de permitir alguns defaults, é provável que forneçam retornos similares a ações, provenientes de fluxos de caixa contratuais de ativos listados. Instrumentos de crédito de todos os tipos estão potencialmente preparados para oferecer desempenho que pode ajudar os investidores a atingir seus objetivos.
A perspectiva
É altamente provável que a inflação e as taxas de juros continuem sendo as considerações dominantes que influenciam o ambiente de investimento nos próximos anos. Embora a história mostre que ninguém possa prever a inflação, parece provável que ela permaneça mais alta do que nos acostumamos após a Crise Financeira Global, pelo menos por um tempo. O curso das taxas de juros será amplamente determinado pelo progresso do Fed em controlar a inflação. Se as taxas subirem muito nesse processo, é provável que voltem a cair depois, mas ninguém pode prever o momento ou a extensão da queda.
Embora todos saibam o quão pouco eu penso em previsões macro, vários clientes perguntaram recentemente sobre minha opinião sobre o futuro das taxas de juros. Dessa forma, vou fornecer uma breve visão geral. (A filosofia de investimento da Oaktree não proíbe ter opiniões, apenas agir como se estivessem certas.) Na minha opinião, os compradores que impulsionaram o recente rali de 10% do S&P 500 desde a mínima de outubro foram motivados por suas crenças de que (a) a inflação está diminuindo, (b) o Fed logo passará de uma política restritiva de volta para uma política estimulativa, (c) as taxas de juros retornarão a níveis mais baixos, (d) uma recessão será evitada, ou ela será modesta e breve, e (e) a economia e os mercados retornarão a dias tranquilos.
Por outro lado, aqui está o que penso:
- As causas subjacentes da inflação de hoje provavelmente diminuirão conforme a riqueza acumulada e impulsionada pelas medidas de alívio forem gastas e a oferta acompanhar a demanda.
- Embora algumas leituras recentes da inflação tenham sido encorajadoras a esse respeito, o mercado de trabalho ainda está muito pressionado, os salários estão subindo e a economia está crescendo fortemente.
- A globalização está diminuindo ou revertendo. Se essa tendência continuar, perderemos sua influência deflacionária significativa. (É importante ressaltar que os preços dos bens de consumo duráveis caíram 40% ao longo dos anos 1995-2020, sem dúvida graças às importações mais baratas. Estimo que isso tirou 0,6% ao ano da taxa de inflação.)
- Antes de declarar vitória sobre a inflação, o Fed precisará estar convencido não apenas de que a inflação estabilizou perto da meta de 2%, mas também de que a psicologia inflacionária foi extinta. Para conseguir isso, o Fed provavelmente desejará uma taxa dos fed funds com juros reais positivos- no momento, eles estão negativos em 2,2%.
- Portanto, embora pareça provável que o Fed diminua o ritmo dos seus aumentos nas taxas de juros, é improvável que retorne às políticas de estímulo tão cedo.
- O Fed precisa manter a credibilidade (ou recuperá-la após ter alegado por muito tempo que a inflação era “transitória”). Ele não pode parecer inconstante tornando-se estimulante logo depois de ter se tornar restritivo.
- O Fed enfrenta a questão do que fazer com seu balanço, que cresceu de US$ 4 trilhões para quase US$ 9 trilhões por causa das compras de títulos. Permitir que suas posições em títulos vençam (ou, um pouco menos provavelmente, realizar vendas) retiraria liquidez significativa da economia, restringindo o crescimento.
- Em vez de manter uma postura estimulativa de maneira perpétua, podemos imaginar que o Fed preferiria manter uma “taxa de juros neutra” normalmente, definida como nem estimulativa nem restritiva. (Eu sei que eu faria isso.) Mais recentemente – no verão passado – essa taxa foi estimada em 2,5%.
- Da mesma forma, embora a maioria de nós acredite que o livre mercado é o melhor alocador de recursos econômicos, não temos um livre mercado de dinheiro há mais de uma década. O Fed deveria preferir reduzir seu papel na alocação de capital, sendo menos ativo no controle das taxas e na compra de títulos hipotecários.
- Deve haver riscos associados ao fato de o Fed manter as taxas de juros estimulativas no longo prazo. Indiscutivelmente, vimos mais recentemente que isso pode provocar inflação, embora a inflação dos últimos dois anos possa ser atribuída em grande parte a eventos pontuais relacionados à pandemia.
- O Fed provavelmente gostaria de ver as taxas de juros altas o suficiente para fornecer espaço para cortes se precisar estimular a economia no futuro.
- Pessoas que entraram no mundo dos negócios depois de 2008 – ou investidores veteranos com memória curta – podem pensar que as taxas de juros atuais são elevadas. Mas eles não estão vendo a parte mais longa da história, o que significa que não há razão óbvia para que sejam mais baixas.
Estas são as razões pelas quais acredito ser mais provável que a taxa básica de juros nos próximos anos seja ao redor de 2-4% (ou seja, não muito longe de onde está agora) do que 0-2%. Claro, há argumentos contrários. Mas, para mim, o resultado final é que as taxas altamente estimulativas provavelmente não estão em questão nos próximos anos, salvo no caso de uma recessão séria da qual precisemos nos recuperar (e isso teria ramificações próprias). Mas garanto que Oaktree não vai apostar dinheiro nessa crença.
O que sabemos é que a inflação e as taxas de juros estão mais altas hoje do que há 40 e 13 anos, respectivamente. Ninguém sabe por quanto tempo os itens da coluna da direita acima continuarão descrevendo o ambiente com precisão. Eles serão influenciados pelo crescimento econômico, inflação e taxas de juros, bem como por eventos exógenos, todos imprevisíveis. Independente disso, acho que as coisas geralmente serão menos otimistas nos próximos anos:
- Uma recessão nos próximos 12 a 18 meses parece ser uma conclusão inevitável entre economistas e investidores.
- Essa recessão provavelmente coincidirá com a deterioração dos lucros corporativos e da psicologia do investidor.
- As condições do mercado de crédito para novos financiamentos não devem, tão cedo, se tornar tão acomodatícias como nos últimos anos.
- Ninguém pode prever até que ponto a taxa de inadimplência das dívidas aumentará ou por quanto ela tempo permanecerá assim. Vale a pena observar nesse contexto que a taxa de inadimplência anual dos títulos de high yield foi de 3,6% em média de 1978 a 2009, mas atingiu seu nível mais baixo e incomum de 2,1% sob as condições virtuosas que prevaleceram na década de 2010-19. De fato, houve apenas um ano naquela década em que a inadimplência atingiu a média histórica.
- Finalmente, há uma previsão na qual estou confiante: As taxas de juros não estão prestes a cair mais 2.000 pontos-base a partir daqui.
Como já escrevi muitas vezes sobre a economia e os mercados, nunca sabemos para onde vamos, mas devemos saber onde estamos. O ponto principal para mim é que, em muitos aspectos, as condições neste momento são extremamente diferentes – e em sua maioria menos favoráveis – que as do clima pós-Crise Financeira Global descrito acima. Essas mudanças podem ser duradouras ou podem desaparecer com o tempo. No entanto, na minha opinião, é improvável que vejamos o mesmo otimismo e facilidade que marcou o período pós-Crise Financeira Global tão cedo.
Saímos do mundo de baixo retorno de 2009-21 para um mundo de retorno total, e isto pode se intensificar no curto prazo. Os investidores atualmente podem obter retornos sólidos com instrumentos de crédito, o que significa que não precisam mais depender de investimentos mais arriscados para atingir suas metas de retorno. Credores e caçadores de barganhas enfrentam perspectivas muito melhores neste novo ambiente do que em 2009-21. Além disso, mais importante, se você admitir que o ambiente é e pode continuar sendo muito diferente do que foi nos últimos 13 anos – e na maior parte dos últimos 40 anos –, deve-se concluir que as estratégias de investimento que funcionaram melhor nesses períodos podem não ser as que se destacarão nos próximos anos.
É dessa mudança radical que estou falando.
13 de dezembro de 2022
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