Memorando para: Clientes Oaktree
De: Howard Marks
Ref: Outras reflexões sobre a Mudança radical
_________________________________________________________________________
Em maio, escrevi um memorando de follow-up sobre Mudança radical (dezembro de 2022), que foi compartilhado exclusivamente com os clientes da Oaktree. Em Outras Reflexões sobre a Mudança Radical, argumentei que as tendências que destaquei no memorando original representavam coletivamente uma mudança radical do ambiente de investimento que exigia uma realocação significativa do capital. Esse memo foi enviado para os clientes da Oaktree em 30 de maio de 2023.[1]
Desta vez pode ser realmente diferente
Em 11 de outubro de 1987, me deparei pela primeira vez com o ditado “desta vez é diferente”. De acordo com um artigo no The New York Times escrito por Anise C. Wallace, Sir John Templeton alertou que quando os investidores dizem que dessa vez é diferente, geralmente este é um esforço para racionalizar valuations que parecem altos em relação ao histórico – e isso geralmente é feito em detrimento dos investidores. Em 1987, foram os preços elevados das ações em geral; o artigo que menciono foi escrito apenas oito dias antes da Segunda-Feira Negra, quando o Dow Jones Industrial Average caiu 22,6% em um único dia. Doze anos mais tarde, a novidade que empolgava as pessoas era a perspectiva de que a Internet mudaria o mundo. Esta crença serviu para justificar os preços ultraelevados (e índices P/L infinitos) das ações digitais e de e-commerce, muitas das quais perderam mais de 90% do seu valor ao longo do ano seguinte.
Porém, é importante ressaltar que Templeton admitiu que as coisas podiam realmente ser diferentes 20% das vezes. Em raras ocasiões, algo fundamental muda, com implicações significativas para o investimento. Considerando o ritmo da evolução atual – especialmente na tecnologia – imagino que as coisas possam ser genuinamente diferentes com mais frequência do que eram na época de Templeton.
De qualquer forma, isso é tudo preâmbulo. A razão pela qual escrevi este memorando é que, embora a maioria das pessoas com quem converso pareça concordar com muitas das minhas observações individuais em Mudança radical, poucos concordaram expressamente com minha conclusão geral e disseram: “Acho que você está certo: Podemos estar assistindo a uma mudança significativa e possivelmente duradoura no ambiente de investimento”. A principal mensagem deste memorando é que as mudanças que eu descrevi em Mudança radical não são apenas flutuações cíclicas habituais; pelo contrário, em conjunto, elas representam uma alteração radical do ambiente de investimento, exigindo uma realocação significativa de capital.
O pano de fundo
Vou começar recapitulando meus argumentos básicos no memorando Mudança radical:
- No final de 2008, o Federal Reserve reduziu a taxa dos fed funds para zero pela primeira vez, visando resgatar a economia dos efeitos da Crise Financeira Global.
- Uma vez que isso não fez com que a inflação subisse do seu nível inferior a 2%, o Fed sentiu-se confortável em manter suas políticas acomodatícias – taxas de juros baixas e quantitative easing – essencialmente durante todos os 13 anos seguintes.
- Consequentemente, tivemos a recuperação econômica mais longa da história – superior a dez anos – e “tempos fáceis” para as empresas que buscavam auferir lucros e obter financiamento. Mesmo aquelas empresas que perderam dinheiro tiveram pouca dificuldade em abrir o capital, obter empréstimos e evitar o default e a falência.
- As taxas de juros baixas que prevaleceram entre 2009 e 2021 tornaram este um excelente período para os proprietários de ativos – taxas de desconto mais baixas tornam os fluxos de caixa futuros mais valiosos – e para os tomadores de empréstimos. Isso, por sua vez, tornou os proprietários de ativos complacentes e os compradores potenciais ansiosos. E o medo de ficar de fora (ou “FOMO”) tornou-se a principal preocupação da maioria das pessoas. O período foi correspondentemente desafiador para os caçadores de pechinchas e credores.
- As enormes medidas de alívio da COVID-19 – combinadas com os problemas na cadeia de suprimentos – resultaram em excesso de dinheiro à procura de poucos bens, a condição clássica para o aumento da inflação.
- A inflação mais elevada que surgiu em 2021 persistiu em 2022, forçando a Fed a interromper a sua postura acomodatícia. Dessa forma, o Fed aumentou drasticamente as taxas de juros – o seu ciclo de aperto mais rápido em quatro décadas – e pôs fim ao quantitative easing (QE).
- Por diversas razões, é pouco provável que as taxas de juros muito baixas ou em declínio sejam a norma na próxima década.
- Portanto, é provável que vejamos períodos mais difíceis para os lucros das empresas, para a valorização dos ativos, para a obtenção de crédito e para evitar a inadimplência.
- Conclusão: Se isso realmente for uma mudança radical – o que significa que o ambiente de investimento foi fundamentalmente alterado – você não deve assumir que as estratégias de investimento que funcionaram bem para você desde 2009 continuarão sendo eficazes nos próximos anos.
Após fornecer este resumo, vou detalhar o assunto e compartilhar alguns insights adicionais.
Um acontecimento importante
Para promover a discussão atual, muitas vezes começo perguntando às pessoas: “Qual você considera ter sido o evento mais importante no mundo financeiro nas últimas décadas?” Alguns sugerem a Crise Financeira Global e a falência do Lehman Brothers, outros o estouro da bolha da Internet e outros a resposta do Fed/governo aos problemas relacionados com a pandemia. Ninguém menciona a minha opção: a queda de 2.000 pontos base nas taxas de juros entre 1980 e 2020. E ainda assim, como escrevi em Mudança radical, esta queda foi provavelmente responsável pela maior parte dos lucros dos investimentos obtidos durante esse período. Como isso poderia ser esquecido?
Primeiramente, sugiro a metáfora sobre ferver um sapo. Dizem que se você colocar um sapo em uma panela com água fervente, ele pulará. No entanto, se você o colocar na água fria e ligar o fogão, ele ficará ali parado, indiferente, até ferver até morrer. O sapo não detecta o perigo – assim como as pessoas não conseguem perceber o significado da queda das taxas de juros – em função da sua natureza gradual e de longo prazo. Não se trata de um acontecimento abrupto, mas sim de uma tendência prolongada e muito influente.
Em segundo lugar, em Mudança radical, comparei a queda da taxa de juros de 40 anos com a esteira rolante de um aeroporto. Se você ficar parado na passarela, vai se mover sem esforço; mas, se você caminhar no seu ritmo normal, avançará rapidamente – talvez sem estar totalmente consciente do motivo. Na verdade, se todos estiverem andando na esteira rolante, isso pode facilmente passar despercebido, e os caminhantes podem concluir que o seu progresso rápido é “normal”.
Finalmente, há o que John Kenneth Galbraith chamou de “a extrema brevidade da memória financeira”. Relativamente poucos investidores hoje têm idade suficiente para se lembrarem de uma época em que as taxas de juros se comportavam de maneira diferente. Todos os que entraram no negócio desde 1980 – em outras palavras, a grande maioria dos investidores atuais – viram, com relativamente poucas exceções, apenas taxas de juros que estavam em queda ou ultrabaixas (ou ambas). É preciso estar trabalhando há mais de 43 anos e, portanto, ter mais de 65 anos, para ter visto um período prolongado diferente do mencionado. E uma vez que as condições de mercado dificultaram a procura de emprego na nossa indústria na década de 1970, você provavelmente teria de conseguir o seu primeiro emprego na década de 1960 (como eu) para ver taxas de juros mais altas e estáveis ou subindo. Acredito que a escassez de veteranos dos anos 1970 tornou mais fácil para as pessoas concluírem que as tendências das taxas de juros de 2009-21 eram normais.
A relevância da história
O período de 13 anos, do início de 2009 até ao final de 2021, testemunhou dois resgates de crises financeiras, um ambiente macro geralmente favorável, políticas agressivamente acomodatícias dos bancos centrais, ausência de preocupações com a inflação, taxas de juros ultrabaixas e em queda, e ganhos nos investimentos geralmente ininterruptos. A pergunta certamente é se os investidores devem esperar uma continuação dessas tendências.
- Os acontecimentos recentes mostraram que o risco de aumento da inflação não pode ser ignorado para sempre. Além disso, o redespertar da psicologia inflacionária provavelmente tornará os bancos centrais menos propensos a concluir que podem fornecer estímulo monetário contínuo sem consequências.
- Dessa forma, não se pode esperar que as taxas de juros permaneçam “baixas por mais tempo” e gerem prosperidade perpétua, como muitos acreditavam que era o caso no final de 2020.
- Também no final de 2020, a Teoria Monetária Moderna foi aceita por alguns como significando que os déficits e a dívida pública poderiam ser ignorados em países “com controle das suas moedas”. (Não ouvimos mais nada sobre essa noção.)
Em Mudança radical, listei várias razões pelas quais não acredito que as taxas de juros voltem às mínimas daquele período de maneira permanente, e continuo achando esses argumentos convincentes. Particularmente, considero difícil acreditar que o Fed não ache que errou ao manter taxas de juros tão baixas por tanto tempo.
Conforme observado acima, para combater a Crise Financeira Global, o Fed levou a taxa dos fed funds para aproximadamente zero pela primeira vez no final de 2008. As condições macroeconômicas eram assustadoras, pois parecia que um ciclo vicioso capaz de minar todo o sistema financeiro estava em curso. Por esta razão, uma ação agressiva era certamente necessária. Porém, fiquei chocado quando olhei os dados e vi que o Fed manteve a taxa perto de zero durante quase sete anos. Fixar as taxas de juros em zero é uma medida de emergência, e certamente não tivemos uma emergência contínua até ao final de 2015. Para mim, essas taxas baixas sustentadas destacam-se como um erro que não deve ser repetido.
Além disso, no período de 2017-18, com a taxa dos fed funds em torno de 1%, tornou-se claro para muitos que não havia espaço para o Fed reduzir as taxas, se necessário, visando estimular a economia durante uma recessão. Mas quando o Fed tentou aumentar as taxas para criar essa margem, encontrou resistência por parte dos investidores (vide o quarto trimestre de 2018). Acho difícil acreditar que o Fed queira reimpor essa limitação ao seu conjunto de ferramentas.
Um tema recorrente que levanto é que, embora muitas pessoas concordem que os mercados livres fazem o melhor trabalho na alocação de recursos, não tivemos um mercado livre em termos de dinheiro nas últimas duas décadas, um período de ativismo do Fed. Em vez disso, a política do Fed foi acomodatícia durante quase todo o tempo e as taxas de juros foram mantidas artificialmente baixas. Em vez de deixar que as forças econômicas e de mercado determinem a taxa de juros, o Fed tem sido excepcionalmente ativo na fixação das taxas de juros, influenciando enormemente a economia e os mercados.
É importante ressaltar que isso distorce o comportamento dos participantes econômicos e de mercado. Esse cenário faz com que coisas sejam construídas que de outra forma não seriam, que investimentos sejam feitos que de outra forma não ocorreriam, e que riscos sejam suportados que de outra forma não seriam aceitos. Não há dúvida de que isso é algo verdadeiro de maneira geral, e estou convencido de que descreve o período em questão com precisão.
Muitos artigos sobre os problemas no Silicon Valley Bank e no First Republic Bank citam erros cometidos no período de “dinheiro fácil” anterior. O crescimento rápido, os incentivos imprudentes aos clientes e a gestão financeira negligente foram todos encorajados em um clima de política acomodatícia do Fed, expectativas uniformemente positivas e baixos níveis de aversão ao risco. Este é apenas um exemplo de um ditado antigo em ação: “Os piores empréstimos são feitos nos melhores momentos”. Não creio que o Fed deva nos colocar novamente em um ambiente que foi distorcido para encorajar o otimismo universal, a crença na existência de um Fed put e, portanto, a falta de prudência.
Se as taxas de juros decrescentes e/ou ultrabaixas do período de dinheiro fácil não forem a regra nos próximos anos, inúmeras consequências parecem prováveis:
- o crescimento econômico pode ser mais lento;
- as margens de lucro podem diminuir;
- as taxas de inadimplência podem subir;
- a valorização dos ativos pode não ser tão consistente;
- o custo dos empréstimos não tenderá a diminuir de maneira consistente (embora as taxas de juros maiores para combater a inflação provavelmente possam recuar um pouco quando a inflação diminuir);
- a psicologia do investidor pode não ser tão uniformemente positiva; e
- as empresas podem não achar tão fácil obter financiamento.
Em outras palavras, após um longo período em que tudo era excepcionalmente fácil no mundo dos investimentos, é provável que algo mais próximo da normalidade se instale.
Observe que não estou dizendo que as taxas de juros, que caíram 2.000 pontos base ao longo dos últimos 40 anos, retornarão aos níveis observados na década de 1980. Na verdade, não vejo razão para que as taxas de juros de curto prazo sejam sensivelmente mais altas do que são hoje daqui a cinco anos. Mesmo assim, considero que os tempos fáceis – e o dinheiro fácil – já acabaram. Como posso comunicar melhor o que estou falando? Considere isso: Há cinco anos, um investidor foi ao banco pedir um empréstimo e o banqueiro disse: “Vamos lhe emprestar US$ 800 milhões a uma taxa de 5%”. Agora o empréstimo precisa ser refinanciado e o banqueiro diz: “Vamos lhe dar US$ 500 milhões de dólares a uma taxa de 8%”. Isso significa que o custo de capital do investidor aumentou, o retorno líquido sobre o investimento diminuiu (ou foi negativo) e ele tem um buraco de US$ 300 milhões para resolver.
Quais estratégias funcionarão melhor?
Parece óbvio que, se algumas estratégias tiveram o melhor desempenho em um período com um determinado conjunto de características, deve ser verdade que um ambiente totalmente diferente vai gerar uma lista de vencedores drasticamente diferente.
- Conforme mencionado acima na recapitulação do memorando Mudança radical, as taxas de juros baixas e decrescentes de 40 anos foram extremamente benéficas para os proprietários de ativos. A diminuição das taxas de desconto e a redução associada na competitividade dos retornos dos bonds levaram a uma valorização substancial dos ativos. Dessa forma, a propriedade de ativos – quer relacionados a empresas, partes de empresas (ações) ou propriedades – era o lugar para se estar.
- A queda das taxas de juros reduziu o custo do capital para os tomadores de empréstimos. Conforme isso ocorria, qualquer empréstimo se tornava automaticamente mais bem sucedido do que inicialmente previsto.
- Além disso, como também mencionei em Mudança radical, o resultado combinado do anteriormente exposto para os investidores que compraram ativos com dinheiro emprestado foi uma dupla bonança. Pense na primeira das mudanças radicais que mencionei naquele memorando: o advento dos títulos de high yield em 1977-78, que provocou a tendência de assumir riscos em prol do lucro e o surgimento de estratégias de investimento alavancadas. É muito marcante que quase toda a história das estratégias de investimento alavancadas tenha sido escrita durante um período de taxas de juros decrescentes e/ou ultrabaixas. Por exemplo, eu arriscaria dizer que quase 100% do capital para investimento em private equity foi investido desde que as taxas de juros começaram a cair em 1980. Deveria ser uma surpresa que o investimento alavancado tenha prosperado em condições tão propícias?
- Ao mesmo tempo, a queda das taxas de juros tornou a concessão de crédito – ou a compra de instrumentos de dívida – menos compensadora. Não apenas os retornos prospectivos em crédito foram baixos ao longo do período, mas os investidores que estavam ansiosos por fugir dos rendimentos ultrabaixos de títulos mais seguros, como os Treasuries e títulos de empresas com grau de investimento, competiam vigorosamente para aplicar seu capital em mercados de maior risco, e isso fez com que muitos aceitassem retornos mais baixos e proteções reduzidas dos credores.
- Finalmente, as condições daqueles dias tranquilos criaram tempos difíceis para os caçadores de pechinchas. De onde surgem as maiores pechinchas? A resposta: do desespero dos detentores de títulos em pânico. Quando os tempos são tranquilos, os proprietários de ativos são complacentes e os compradores estão ansiosos, ninguém tem nenhuma urgência em sair, tornando muito difícil obter boas barganhas.
Os investidores que lucraram nesse período com a propriedade de ativos e estratégias de investimento alavancadas podem ignorar o efeito salutar das taxas de juros sobre os valores dos ativos e os custos dos empréstimos e, em vez disso, pensar que os lucros resultaram do mérito inerente das suas estratégias, talvez com alguma ajuda da sua própria habilidade e sabedoria. Em outras palavras, eles podem ter violado uma regra básica no investimento: “Não confunda cérebro com mercado em alta”. Considerando os benefícios de estar na “esteira rolante” durante esse período, parece-me que teria sido necessária uma tomada de decisão muito ruim ou muito azar para que uma compra de ativos realizada com dinheiro emprestado não tivesse sido bem-sucedida.
A propriedade de ativos será tão lucrativa nos próximos anos como no período de 2009-21? Será que a alavancagem acrescentará tanto aos retornos se as taxas de juro não diminuírem ao longo do tempo ou se o custo dos empréstimos não for muito inferior à taxa de retorno esperada dos ativos adquiridos? Sejam quais forem os méritos intrínsecos da propriedade de ativos e do investimento alavancado, poderíamos pensar que os benefícios serão reduzidos nos próximos anos. E simplesmente aproveitar as tendências positivas por meio da compra e da alavancagem pode já não ser suficiente para ter sucesso. No novo ambiente, obter retornos excepcionais provavelmente exigirá habilidade em fazer compras vantajosas novamente e, em estratégias de controle, agregar valor aos ativos detidos.
Os empréstimos, crédito ou investimentos em renda fixa deverão estar em situação correspondentemente melhor. Conforme mencionei no meu memorando de dezembro, os 13 anos em questão foram um período difícil, sombrio e de baixo retorno para os investidores de crédito, incluindo a Oaktree. A maioria das classes de ativos em que operamos oferecia os retornos prospectivos mais baixos que qualquer um de nós já havia visto. As opções eram (a) manter e aceitar os novos retornos mais baixos, (b) reduzir o risco para se preparar para a correção que a demanda por retornos maiores acabaria trazendo, ou (c) aumentar o risco na busca de retornos mais altos. Obviamente, tudo isso tinha desvantagens. Em resumo, era muito desafiador buscar retornos elevados com segurança e confiança em um mundo de retornos baixos como o que estávamos vivendo.
Mas agora, retornos potenciais mais elevados estão disponíveis. No início de 2022, os títulos de high yield (por exemplo) tinham yields na faixa dos 4% – um retorno não muito útil. Hoje, eles rendem mais de 8%, o que significa que esses títulos têm potencial para dar uma grande contribuição aos resultados do portfólio. O mesmo se aplica geralmente a todo o espectro de crédito sem grau de investimento.
Alocação de ativos atualmente
Minha visão sobre a mudança radical materializou-se principalmente quando visitei clientes em outubro e novembro passados. Quando cheguei em casa, escrevi o memorando e comecei a discutir sua tese. E na reunião de um comitê de investimentos sem fins lucrativos de dezembro, eu disse o seguinte:
Venda as grandes ações, as pequenas ações, as ações de valor, as ações de crescimento, as ações dos EUA e as ações estrangeiras. Venda o private equity juntamente com as ações abertas, os imóveis, os hedge funds e o venture capital. Venda tudo e coloque o dinheiro em títulos de high yield a 9%.
Esta instituição precisa obter um retorno anual de cerca de 6% sobre seu capital, e estou convencido de que se mantiver uma carteira competentemente montada de títulos de high yield de 9%, seria esmagadoramente provável que ela superasse a meta de 6%. Mas minha ideia não foi uma sugestão séria, foi mais uma declaração destinada a evocar a discussão sobre o fato de que, graças às mudanças ocorridas nos últimos 18 meses, os investidores agora podem obter retornos similares aos das ações com investimentos em crédito.
O Índice Standard & Poor’s 500 teve um retorno de pouco mais de 10% ao ano durante quase um século, e todos estão muito felizes (10% ao ano durante 100 anos transformam 1 dólar em quase 14.000 dólares). Atuamente, o ICE BofA US High Yield Constrained Index oferece um rendimento superior a 8,5%, o CS Leveraged Loan Index oferece uma taxa de cerca de 10,0% e os private loans oferecem consideravelmente mais. Em outras palavras, os rendimentos antes de impostos esperados de investimentos em crédito sem grau de investimento agora se aproximam ou superam os retornos históricos das ações.
E, mais importante, estes retornos são contratuais. Quando migrei de ações para bonds em 1978, fiquei impressionado com uma grande diferença. No caso das ações, a maior parte do seu retorno a curto ou médio prazo depende do comportamento do mercado. Se o Sr. Mercado estiver de bom humor, como disse Ben Graham, seu retorno será beneficiado e vice-versa. Por outro lado, com os instrumentos de crédito, o seu retorno provém predominantemente do contrato entre você e os tomadores de empréstimos. Você dá dinheiro adiantado ao tomador; eles pagam juros a cada seis meses; e devolvem seu dinheiro no final. E, para simplificar bastante, se o tomador não pagar conforme prometido, você e os outros credores obterão a propriedade da empresa por meio do processo de falência, uma possibilidade que dá ao tomador um grande incentivo para honrar o contrato. O investidor de crédito não depende do mercado para obter retornos; se o mercado fechar ou se tornar ilíquido, o retorno para o detentor de longo prazo não será afetado. A diferença entre as fontes de retorno de ações e dos títulos é profunda, algo que muitos investidores podem entender intelectualmente, mas não valorizar totalmente.
Já se passaram anos desde que os retornos prospectivos do crédito eram competitivos em comparação com os retornos das ações. Agora este é o caso novamente. A organização sem fins lucrativos em cujo conselho faço parte deverá investir todo o seu dinheiro em instrumentos de crédito? Talvez não. Mas Charlie Munger exorta-nos a “inverter” perguntas como esta. Para mim, isso significa que os alocadores deveriam se perguntar: “Quais são os argumentos para não colocarmos hoje uma parte significativa do nosso capital em crédito?”
Mencionarei aqui que, ao longo dos anos, tenho visto investidores institucionais criticarem as evoluções dos mercados mas fazerem mudanças modestas na sua alocação de ativos como resposta. Quando os primeiros fundos de índice superaram o desempenho da gestão ativa na década de 1980, eles disseram: “Nós temos isso sob controle: Transferimos 2% das nossas ações para um fundo de índice”. Quando os mercados emergentes parecem atraentes, a resposta é muitas vezes migrar mais 2%. E, de vez em quando, um cliente me diz que colocou 2% em ouro. Mas se os acontecimentos que descrevo aqui constituem realmente uma mudança radical, como acredito – fundamental, significativa e potencialmente duradoura – os instrumentos de crédito deverão provavelmente representar uma parte substancial das carteiras… talvez a maioria.
Qual é a parte ruim? Como isso poderia ser um erro?
- Primeiramente, os tomadores individuais podem entrar falência e não conseguir pagar. A principal função do gestor de crédito é eliminar os inadimplentes, e a história mostra que isso pode ser feito. É pouco provável que inadimplementos isolados inviabilizem uma carteira bem selecionada e diversificada. E se você estiver preocupado com a possibilidade de uma onda de defaults atingir sua carteira de crédito, pense quais seriam as implicações desse ambiente para as ações ou outros ativos sob sua propriedade.
- Em segundo lugar, pela sua natureza, os instrumentos de crédito não têm muito potencial de valorização. Portanto, é perfeitamente possível que as ações e as estratégias de investimento alavancado surpreendam positivamente e tenham um desempenho superior nos próximos anos. Não há como negar isto, mas devemos considerar que o “risco negativo” aqui consiste no custo de oportunidade dos retornos perdidos, não o de deixar de atingir o retorno desejado.
- Em terceiro lugar, os bonds e empréstimos estão sujeitos a flutuações de preços, o que significa que ter de vender em um período ruim pode causar a realização de prejuízos. Porém, os instrumentos de crédito estão longe de ser os únicos neste aspecto, e a magnitude das flutuações nos bonds e empréstimos “money-good” é significativamente limitada pelo efeito “pull to par” exercido pela promessa de pagamento no vencimento.
- Em quarto lugar, os retornos de que tenho falado são retornos nominais. Se a inflação não for controlada, esses retornos nominais poderão perder um valor significativo quando forem convertidos em retornos reais, que é o cenário que mais preocupa alguns investidores. É claro que os retornos reais de outros investimentos também poderão ser prejudicados. Muitas pessoas pensam que as ações e imóveis podem potencialmente gerar proteção contra a inflação, mas a minha recordação da década de 1970 é que a proteção normalmente só ocorre após os preços terem caído, de modo a gerar retornos prospectivos maiores.
- Finalmente, a mudança radical poderá acabar por ser menos duradoura do que eu esperava, o que significa que o Fed reduzirá a taxa dos fed funds para zero ou 1% e os rendimentos do crédito diminuirão de acordo. Felizmente, ao comprar instrumentos de crédito de vencimento longo, um investidor pode assegurar o retorno prometido por um período significativo (assumindo que o investimento tenha algum grau de proteção de pré-pagamento). O reinvestimento precisará ser feito no vencimento ou no pré-pagamento, mas uma vez que os investimentos de crédito que estou sugerindo sejam realizados, você terá pelo menos o rendimento prometido garantido – talvez menos as perdas em caso de inadimplência – durante o prazo dos instrumentos.
* * *
O tema abrangente do meu ponto de vista da mudança radical é que, em grande parte graças a uma política monetária altamente acomodatícia, atravessamos períodos extraordinariamente fáceis em uma série de aspectos importantes durante um período prolongado, mas esse tempo já passou. É evidente que não há muito espaço para quedas nas taxas de juros em relação aos níveis atuais, e não creio que as taxas de juros de curto prazo serão tão baixas nos próximos anos como no passado recente. Por essas e outras razões, acredito que os próximos anos não serão tão fáceis. Porém, embora as minhas expectativas possam revelar-se corretas, ainda não há provas nas quais eu possa me basear. Por que não? A minha resposta é que a economia e os mercados estão nas fases iniciais de uma transição que está longe de estar completa.
Os preços dos ativos são estabelecidos por meio de um cabo de guerra entre compradores que pensam que os preços irão subir e vendedores que pensam que eles irão cair. Tem havido uma dinâmica ativa ao longo do último ano, conforme o sentimento melhora e piora em relação às perspectivas de inflação, recessão, lucros corporativos, geopolítica e, especialmente, um regresso do Fed à acomodação. O cabo de guerra continua e, consequentemente, o S&P 500 está a meio por cento de onde estava há um ano.
Ultimamente tenho pensado no fato de que ser um investidor exige que a pessoa seja um tanto otimista. Os investidores precisam acreditar que as coisas vão correr bem e que as suas competências lhes permitirão posicionar sabiamente o capital para o futuro. Os investidores em ações têm de ser particularmente otimistas, pois precisam acreditar que surgirá alguém que comprará as suas ações por mais do que pagaram. O que quero dizer aqui é que os otimistas só renunciam ao seu otimismo a contragosto, e fenômenos como a dissonância cognitiva e a autoilusão permitem que as opiniões sejam sustentadas muito depois de a informação em contrário ter chegado. Esta é uma das razões pelas quais eles dizem o seguinte sobre o mercado de ações: ‘As coisas podem levar mais tempo para acontecer do que você pensava, mas então elas acontecem mais rápido do que você pensava que poderiam’. O mercado lateralizado atual ou “limitado a um intervalo” me diz que os investidores têm uma boa dose de otimismo, apesar das preocupações que surgiram. Nos próximos meses, descobriremos se o otimismo era justificado.
As forças positivas que moldaram o período de 2009-21 começaram a mudar há cerca de 18 meses. A inflação mais elevada acabou demonstrando não ser transitória. Isso provocou aumentos das taxas de juros, preocupações quanto à possibilidade de uma recessão, algum ressurgimento da preocupação quanto à possibilidade de perdas e, portanto, a insistência em uma maior compensação pela assunção de riscos. No entanto, embora a maioria das pessoas já não veja uma perspectiva perfeita, poucos também pensam que ela é impossível. Assim como o otimismo incentivou um ciclo positivo nesses 13 anos, acredito que uma diminuição do otimismo lançará alguma areia nas engrenagens financeiras de várias maneiras, algumas das quais podem ser imprevisíveis.
Nesse último aspecto, é essencial reconhecer que, uma vez que não vivemos um período exatamente igual aos anos que temos pela frente – e uma vez que as mudanças no ambiente econômico/financeiro limitam a aplicabilidade da história – é provável que encontremos surpresas. E se o ambiente for menos favorável, as surpresas provavelmente serão negativas.
Observe que, como mencionei anteriormente, não estou de forma alguma dizendo que as taxas de juros vão regressar aos níveis elevados de onde vieram. Não tenho motivos para acreditar que a recessão que a maioria das pessoas acredita que está por vir será grave ou duradoura. E com valuations elevadas, mas não muito, não acredito que possamos prever razoavelmente um colapso do mercado de ações. Este não é um apelo para um aumento drástico da defensiva. De forma geral, estou falando apenas de uma realocação de capital, afastando-se das ações e alavancagem e voltando-se para o crédito.
Esta não é uma música que cantei com frequência ao longo da minha carreira. Esta é a primeira mudança radical que comentei e um dos poucos apelos que fiz para aumentar substancialmente o investimento em crédito. Mas o ponto principal ao qual continuo retornando é que os investidores de crédito podem acessar retornos atualmente que:
- são muito competitivos em relação aos retornos históricos das ações,
- excedem os retornos exigidos ou as premissas atuariais de muitos investidores, e
- são muito menos incertos do que os retornos das ações.
A menos que haja falhas graves na minha lógica, acredito que uma realocação significativa do capital para crédito é justificada.
11 de outubro de 2023
[1] Todos os dados de mercado citados neste memorando referem-se a 30 de maio de 2023, quando o memorando foi originalmente enviado para os clientes da Oaktree.
Informações e divulgações legais
Este artigo expressa as opiniões do autor na data indicada, e tais opiniões estão sujeitas a alterações sem aviso prévio. A Oaktree não tem qualquer dever ou obrigação de atualizar as informações nele contidas.
A Oaktree também não faz qualquer representação, e não deve haver suposição de que desempenhos de investimentos anteriores são indicativos de resultados futuros. Ainda, onde quer que haja potencial de lucro, haverá a possibilidade de perda.
Este artigo foi disponibilizado apenas para fins instrucionais e não deve ser usado para outros propósitos. As informações nele contidas não constituem nem devem ser interpretadas como oferta de serviços de consultoria ou oferta de venda ou solicitação de compra de quaisquer valores mobiliários ou instrumentos financeiros relacionados em qualquer jurisdição. Determinadas informações referentes a desempenho e tendências econômicas são baseadas ou derivadas de informações fornecidas por fontes independentes de terceiros.
A Oaktree Capital Management, L.P. (“Oaktree”) acredita que as fontes das quais tais informações foram obtidas são confiáveis, mas não pode garantir a exatidão de tais informações e não verificou de maneira independente a exatidão ou integridade de tais informações nem das suposições que servem de base para tais informações.
Este artigo e as informações nele contidas não podem ser copiados, reproduzidos, republicados ou publicados, no todo ou em parte, de qualquer forma, sem o consentimento prévio por escrito da Oaktree.